Dia 13.
Primeiro encontro.
Hoje almocei naquela lanchonete onde marcamos nosso primeiro encontro. O tempo
anda tão corrido pra mim que não consigo chegar em casa com calma, comer feijão
e arroz e voltar pro trabalho. Paro na primeira esquina que vende algo que me
mantenha em pé e como, isso quando consigo sair do escritório. Não é
reclamação, os projetos que tenho feito andam me rendendo belas comissões, já pensei
até em trocar o carro e alguns móveis da casa. Entrei, fiz o mesmo pedido daquele dia. Ali,
naquele balcão, combinamos de sair na semana seguinte. Depois de umas 3 semanas
conversando, eu te chamei pra sair. Depois de mais 3 semanas insistindo, você
aceitou. A gente foi no restaurante português do centro, depois saímos pra
apreciar a noite que, por sinal, se mostrava a mais linda de todas. Você era a mais curiosa dos seres.
−
O que você pretende depois que concluir a
faculdade?
−
Trabalhar, né?
−
Não... Eu digo, você vai continuar aqui ou quer ir
embora pra, sei lá, Paris, por exemplo?
−
Não sei. Mas eu não iria pra Paris.
−
Por quê? Paris é linda...
−
Não sei se seria o lugar apropriado pra um
arquiteto recém-formado.
−
Verdade... Ficar, então?
−
Acho que sim. Tudo depende, sabe? Já pensei em
voltar pra minha cidade, mas não sei se é exatamente o que quero. Me acostumei
aqui. Acho que só preciso de um motivo a mais pra ficar de uma vez.
−
E que motivo seria esse?
−
Sabe... Há quase dois meses eu conheci uma garota
numa livraria e...
−
Para!
−
Dá pra me deixar ser romântico?
−
Não.
−
Não preciso de sua autorização mesmo.
−
Tô falando sério.
−
Eu também tô.
−
Você ficaria aqui por mim?
−
Não. Por você não. Ficaria por nós dois.
−
Olha, Fred...
−
Tô olhando.
−
Eu não quero fazer isso.
−
Isso o que?
−
Isso. Jantar, passeio, mãos dadas, beijos...
−
Mas a gente nem se beijou ainda.
−
Posso terminar?
−
Se você não for ser muito chata, pode.
−
Daqui a pouco eu vou pra sua casa, a gente dorme
junto e ...
−
Tá querendo ir dormir comigo, é? Mas que rápida
você!
−
Fred...
−
Desculpa. Termina.
−
E em um mês já estamos dividindo a gaveta do
banheiro. É isso que eu não quero.
−
Eu posso colocar uma gaveta só pra você no
banheiro, então.
−
Não é a gaveta.
−
Quer um banheiro separado?
−
Não quero me envolver.
−
A gente não precisa se envolver... Você vai lá pra
casa, a gente dorme junto e amanhã eu esqueço que você existe. Não precisa nem
me dar seu telefone.
−
Nem tenta porque você não faz o tipo cafajeste. E você já tem meu telefone.
−
Você só me conhece há algumas semanas, como pode saber que não sou um cafajeste querendo te usar?
−
Já conheço o suficiente.
−
Não aposte nisso.
−
Que seja. Você não iria me esquecer assim.
−
Tá se achando inesquecível, é? Pera lá, mocinha...
−
Eu não costumo ser dessas garotas fofas e gentis o
tempo todo. Na verdade quase nunca. Eu leio muito romance mas nada disso nunca
me atingiu. A busca por uma carreira profissional, por exemplo, é maior que a espera do homem perfeito. Não. A minha vida nunca se resumiu a romances de
banca de jornal, eu não sou assim. E você é legal demais. Meu Deus, eu nunca
saí com um cara como você e você mostra nos seus olhos a estabilidade que
procura e eu sou instável demais pra te prender a mim. Seria injusto porque eu
sei como vai terminar e eu sei que no fim eu vou estragar tudo cedo demais.
−
Mas a gente só jantou.
−
E você tentou caminhar de mãos dadas comigo três
vezes.
−
É legal.
−
Mas não... Para.
−
A gente não precisa andar de mão dada, então.
−
Eu não me apaixono, Fred. Nunca aconteceu. Eu sou
fria. Olha, eu não presto!
−
Geralmente as mulheres dizem isso pros caras quando
levam um fora e tal, você tá meio que trocando os papéis.
−
Eu não levo fora também.
−
Ah, senhorita dona da verdade, então eu vou te dar
um fora agora. Não quero mais sair com você!
−
Deixa de ser ridículo!
−
Eu não tô sendo ridículo. Você não acha que vai
estragar tudo? Ótimo, eu acredito. Tá tudo acabado aqui.
−
Esse fora não conta porque a gente não tem nada.
−
A gente jantou, minha filha. Tu é chata pra
caralho, nunca mais quero te ver na minha frente.
−
Então eu sou chata? Pelo menos não sou uma boba
apaixonada que sai por aí querendo caminhar abraçada com uma pessoa que
conheci numa livraria.
−
Nem eu. Era tudo encenação. Na verdade desde o
começo eu só queria te levar pra cama porque você tem uma bunda legal.
−
Nossa, olhou pra minha bunda, Dom Casmurro?
−
Lógico. Ou você acha que te chamei pra sair porque
te vi lendo em um shopping lotado sexta à noite?
−
Você não era há 10 minutos o cara romântico em
busca do par perfeito?
−
Já achei meu par perfeito.
−
Nem chega perto de mim.
−
Você não manda em minhas pernas.
−
Se der mais um passo eu grito.
−
Então grita.
−
SOCOR... – Te interrompi com um beijo. O segundo
foi você quem deu. E a gente foi pra minha casa. E em um mês estávamos dividindo
a gaveta do banheiro. Porque eu venci a maior guerra - contra mim e contra você - só pra te ganhar.
E tudo o que eu sempre quis foi te carregar nos meus braços até a cama, como
fiz na noite em que você estudou até tarde. Mas aí você se deu conta que tinha
se envolvido e que quebrara uma promessa que não deveria ser quebrada.
Foi aí que você bateu a primeira porta na minha cara.
Saí da lanchonete e
vi um casal de velhinhos brigando. O senhor deu as costas e foi pra direção
contrária que a senhora que o acompanhava. Ele foi até a floricultura e comprou uma única
rosa. Depois, mesmo naquela idade, saiu correndo atrás dela. Hoje eu penso que era exatamente isso que deveria ter feito quando você arrumou sua mala pra voltar pra casa de seu pais. Eu deveria ter corrido atrás.
Mas sou cansado demais. Ou acomodado demais. Só sei que não aprendi a ir atrás de coisa alguma.