Dia 11.
Um homem de guardados.
Preservo-me no meu
íntimo. Vezenquando me pego me questionado o quão fundo pode ser o íntimo de um
homem e quantas histórias podem caber na escuridão na qual ele acaba se
tornando. Vezenquando me sufoco, me afogo, mas volto às extremidades sozinho. Sempre
fui uma caixa chaveada. Meu âmago é o desconhecido. Sou assim desde que me
entendo por gente.
Quando criança, minha
mãe me arrumava no domingo de manhã com a melhor roupinha do armário e penteava
meu cabelo partido de lado. Ela passava uma pasta pra ele se ajeitar, não sei o
que era, mas não ficava um fiozinho solto. Sempre tive curiosidade de saber pra
que todo aquele capricho num domingo quente, mas nunca tive coragem de
perguntar. A única coisa que eu sabia é que a gente estava indo à casa do
papai-do-céu, porque era o que ela se dedicava a me dizer. Minha timidez sempre
foi algo que passava por cima de mim, nunca a controlei nem mesmo em casa. Esse
deve ser o motivo pelo qual eu sempre guardo minhas dúvidas e desejos insanos. Nunca fui de loucuras.
No caminho pra o tal
lugar no domingo de manhã, minha mãe repetia cerca de 10 vezes que eu não
poderia me comportar mal. Honestamente, não entendia. Eu era o mais quieto da
família, falava pouquíssimas palavras e minha mãe achava que eu faria bagunça.
Nunca me permiti insanidades – atravessar a rua sem segurar na mão de alguém
teoricamente responsável era insanidade - nem na vida nem em nada. Na única vez que fiz uma loucura, saí
quebrado a ponto de perceber que estive certo em me manter sossegado durante
toda a vida. Chegávamos a uma casinha quase sem cômodos com uma cruz em seu
topo. Aquilo tudo era tão estranho, por que teria uma cruz na casa de alguém?
Mas nunca perguntei nada, muito menos comentei. Era meu dever me manter quieto
e guardar minhas dúvidas, a timidez me impunha isso. Bem como me causou os
choros mais abafados de minha vida, bem como me manteve distante do que de
certo me machucaria, bem como me manteve longe do que supostamente poderia ser
minha felicidade.
Quando me sentava em um
daqueles bancos de madeira e via um homem de vestido lá na frente dizendo verdades
nas quais acreditava, eu tinha vontade de perguntar a minha mãe o porquê de nós
o ouvirmos e seguir aqueles conselhos. Mas
não era meu direito. Não porque ela me dizia isso, eu já havia maquinado em
minha mente que eu, em minha humilde pequenez de criança, não dispunha de
direito de questionar nada. A única coisa que fazia, era me mandar juntar as
mãozinhas e dizer amém, sem nem ao menos saber do que se tratava. Nunca
murmurei nem reclamei ou sussurrei quaisquer palavras de desapontamento, sempre
guardei tudo pra mim. E isso não se
resume às idas às missas de domingo. Lembro bem do dia em que cortei o
braço no arame farpado do sítio de meu avô. Fiquei horas morrendo de dor, mas
não disse a ninguém. Sempre que me perguntavam, eu dizia que estava bem, mesmo
com olhos pegando fogo na vontade de chorar. Chorava. Mas só chorava depois que
todos saíam e eu me sentia na única companhia em que confiava, a minha própria.
Sempre fui mais eu quando todos iam embora. É como se eu usasse uma máscara para
cada aparição e ela caísse involuntariamente quando minha única companhia era
minha sombra cansada de seguir meus passos. O cansaço de meus pés reflete
notoriamente em minhas costas. Ando
corcunda com tamanho peso que carrego. Silêncios pesam e, por escolha
própria, fui usado durante toda uma vida como burro de carga de palavras não
ditas. Sufoco-me a cada vez que lembro que caberia algo mais e poderia ter dito
um pouco mais, implorado um pouco mais e não ter desistido tão facilmente.
Cordas de recusa me amarram e me prendem a ponto de não conseguir me mover em
direção àquilo que está a um palmo do meu nariz. Sempre enxerguei muito bem,
mas a timidez fez com que eu criasse um laço forte e duradouro com a covardia.
Além do meu medo descabido de ser rejeitado. Esse deve ser o motivo pelo qual
sempre me escondo por detrás das cortinas e apenas observo de longe. Prefiro
não dar palpites, nem mesmo quando o caso me diz respeito. Prefiro me manter
calado e levar as marteladas, apunhaladas e marcar o choro pro quarto numa
noite de sexta-feira. Reservo-me no
direito de permanecer calado. Parece frase de autoridade, mas é somente a única
regra que de fato resolvi seguir em minha vida.
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