sábado, 13 de outubro de 2012

Dia 8.
Despedida.

        Hoje, pela primeira vez, me veio tudo o que aconteceu no dia em que você resolveu me deixar. Por tanto tempo evitei essas memórias, dessa vez apenas me deixei levar por elas. E foi tudo se encaixando, como num quebra-cabeça, as cenas em minha mente e o momento mais agoniante de minha vida. Lembrei de tudo. Lembrei que estranhei quando te vi arrumando a mala tão desajeitada, como se tivesse uma pressa absurda em largar pra trás tudo o que construímos com tanto trabalho; desde nossa casa a nosso amor. Estranhei você misturando camisas com calças e roupas íntimas, porque você sempre foi perfeccionista demais pra deixar passar esses detalhes tão abusivos aos olhos. Estranhei quando olhei pra você e percebi uma lágrima descendo até a ponta do seu nariz, porque você nunca chora. Nunca. Intacta e perfeita, você sempre manteve sua pose de fortaleza indestrutível e agora estava ali na minha frente colocando na mala todas as dores guardadas durante seus poucos anos de vida. Estranhei porque não consegui me mover da poltrona pra te agarrar e pedir pra você ficar. Logo eu, sempre tão seu e tão inseguro e tão dependente me mantive imóvel. Noutra situação, seria eu trancando a porta e dando uma de “menino mimado” sem querer te perder; seria eu implorando seu amor e você me mandando crescer um pouco, pois a vida não se resume a amores e tentativas frustradas de ser feliz. Estranhei porque você olhou pra mim com olhos tão molhados e vermelhos que parecia um pedido de socorro de uma menina inocente, coisa que você nunca foi. Estranhei porque você, que sempre foi mais organizada e maníaca por detalhes do que eu, saiu derrubando o abajur que minha avó nos deu e, toda desnorteada, deixou pra trás seu livro preferido de Carlos Drummond de Andrade. Estranho. E estranho tudo isso até hoje. Estranhei você dizendo que eu era um babaca e iria me arrepender de ter me mantido indiferente enquanto você retirava todas as suas coisas, esvaziando seu lado do nosso guarda-roupa enquanto enchia meu coração de dúvidas e apelos silenciosos, porque você não costumava dizer tantas palavras numa única frase. Estranhei porque o silêncio com o qual você me fez conviver por anos se quebrou quando você resolveu por pra fora toda a sua raiva por minha fraqueza e estupidez diante daquela cena deprimente em que eu era o vilão sem coração e você a mocinha implorando por mim e meus cuidados somente com os olhos. Estranhei tudo. De começo ao fim, da primeira à última palavra, do beijo de bom dia ao bater de portas no fim da noite, eu estranhei. E você estava certa, no fim eu me arrependi. Mas, isso eu não estranhei. Porque eu sempre me arrependo e você sempre está certa.

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