quarta-feira, 24 de outubro de 2012



Dia 10.
Felicidade

Eu sempre acabei me fechando para coisas que não deveria. Bati a porta na fuça de quem não merece e fiz cara feia pra quem não tinha culpa de nada. Uma vez desliguei o telefone na cara do rapaz da pizzaria, como se a culpa do meu leite ter derramado no fogão fosse dele. Noutra, culpei a vendedora da loja por não conseguir escolher uma camisa adequada pra festa de aniversário da sexta à noite. De vez em quando eu sou estúpido demais e quase nunca me dou conta disso em tempo de ir lá e me desculpar. A vida começou a me oferecer as coisas desde cedo, mas eu estive sempre ocupado demais. Tapei meus olhos com a tristeza que insisti em incorporar esse papel de moço abandonado e injustiçado. Uma reclamação atrás da outra, sempre culpando um desejo não atendido, um sonho não realizado ou expectativas frustradas. Acho que minha vida sempre se resumiu a isso e acho que a culpa é mais minha do que dela. No fim das contas, pareço criança mimada que não ganhou o brinquedo que queria no Natal. Nunca julguei isso exatamente como certo.
Sempre estive ignorando algo que me faz bem porque sofrer é mais poético. Sempre tive essa queda por poesia e literatura, a felicidade só me proporcionava belos versos quando eu tinha você do outro lado da cama me inspirando com seu sorriso. Depois que você se virou e foi embora, nada me fez tão feliz a ponto de sequer escrever uma frase bonitinha pra postar na internet. Você sabe, eu sou um pobre infeliz como um jegue amarrado. Era inteiramente deprimente, sozinho e trancado na minha própria solidão, até você vir abrindo a janela da minha cozinha e deixando a luz me invadir, enquanto você me invadia também. 
Depois que adulteci, percebi que a felicidade sempre esteve explícita aos meus olhos, mas nunca aceitei como era. Até os 7 anos, eu levantava mais cedo que todo mundo só pra sair pro quintal e ver o sol nascer. Era uma rotina. Quando falhava, parecia que meu dia estava incompleto. Nunca precisei de despertador, já era algo natural. Nunca precisei porque eu era feliz fazendo aquilo. Aos 11 anos, eu saía pra janela todos os dias às 12h54 pra ver uma menina passando. Ela ia pra escola ali do lado da minha casa, passava sozinha puxando sua mochila de rodinhas. Ninguém precisava me lembrar do horário, todos os dias eu estava lá esperando por ela. Ela nunca nem ao menos me deu um oi, mas eu não me importava. E me lembrava que passaria porque eu era feliz estando naquela janela. Com 15 anos, eu jogava basquete com meu avô no quintal da casa dele. Todo fim de tarde de quinta-feira eu ia pra lá e a gente se esbaldava num joguinho bem calmo, já que ele não era mais um menino como eu. Minha mãe nunca precisou me lembrar do meu compromisso, eu já sabia pra onde deveria ir. Quando seu médico o proibiu de se esforçar fisicamente, minha vida ficou um pouquinho mais vazia. Esvaziou porque eu era feliz jogando a bola de um lado pro outro, enquanto ele ria de sua própria falta de habilidade. Aos 23 anos eu ia à biblioteca na esquina da rua de minha faculdade toda semana procurar algo novo pra ler. Eu entrava em um mundo diferente e conhecia gente diferente e ia descobrindo coisas diferentes. Eu poderia ser um herói, um caçador, um viajante apenas folheando livros que eu descobria sozinho. Quando a biblioteca fechou por não conseguir mais manter os custos de manutenção, um pedaço do meu mundo se foi junto. Se foi porque eu era feliz sendo um personagem diferente por semana sem deixar de ser eu mesmo. Aos 25 anos eu conheci uma garota. Ela estava numa livraria no cento da cidade e tinha os olhos tão profundos e misteriosos que me chamavam a desvendá-la todos os dias. E eu buscava desvendá-los todos os dias. Com o tempo, essa garota tornou-se tão essencial que eu mal conseguia imaginar um dia inteiro sem ela. E ela foi se apropriando de minha vida e moldando meus gostos e pegando minhas manias e usando minhas camisas e sendo a pessoa mais incrível que um dia eu poderia ter pensado em conhecer. E a gente foi virando nós, até ela ir embora e se tornar um nó. E eu me vi chorando baixinho no meio da noite de sábado, depois de um dia inteiro de falsas risadas. Chorei porque eu era feliz a tendo do meu lado.
Foi então que eu percebi que a felicidade é algo que não depende unicamente das coisas que possuo ou das pessoas que passeiam por minha vida. Felicidade é o que eu sou usando as coisas que possuo e tendo as pessoas que tenho. Uma vez eu li que felicidade não é questão de ter, é questão de ser. Agora que entendo, concordo. Eu era feliz apreciando o nascer do sol, assim como era feliz vendo aqueles cabelos negros passando por minha janela todo dia. Eu era feliz jogando a bola pra dentro da cesta com meu avô, bem como era feliz te vendo recitar os poemas de Carlos Drummond de Andrade rindo e pulando na minha cama feito criança. E eu acho que era feliz porque, fazendo tais coisas, eu conseguia ser eu mesmo. Eu, o Frederico. Poucas coisas na vida nos proporcionam o encanto de sermos nós mesmos sem qualquer máscara ou disfarce. Hoje eu apenas duvido de tudo e não tenho certeza de nada. Sou um ser infeliz e amargurado. Não me orgulho, mas sou. Posso ter muitas coisas agora, mas não as reconheço como produto de felicidade. Se assim sou, a culpa é da incerteza que carrego tatuada em mim. 

domingo, 14 de outubro de 2012


Dia 9.
De Frederico para todos os Fredericos do mundo

Não é um conto de fadas. Desce dessa sacada, você não é um príncipe! Não tem final feliz. Não é um filme de romance, por isso não tem brigas engraçadas terminadas na cama nem letrinhas subindo com uma música de Coldplay. Não é um livro de Nicholas Sparks, não tem nada desses clichês que todo mundo gostaria de viver. Isso é vida real! E tudo o que todo mundo precisa de vez em quando é esse choque de realidade. Isso machuca, bate, te surra e te deixa no chão pensando o que de errado tem na sua vida. Não segue roteiro, não tem script, você é obrigado a dar a cara a tapa todo dia, paga pra ver, se arriscar, como criança se equilibrando no meio-fio. Mas você não é criança. Você cresceu, se lembra? O medo de arranhar o joelho ao cair de bicicleta se foi na medida em que os anos foram subindo em suas costas, e deram lugar a outros maiores e mais torturantes. Seus escuros tomaram outras definições. Seu medo agora é de ter mais uma porta na cara, mais um não e ser expulso de mais uma vida. A sua criança interior ainda grita por socorro cada vez que você tenta se adequar a algo novo, recusa e você recusa junto. Fraco. Não sabe lutar nem contra o reflexo que diz que você é um merda e sua vida é uma merda e tudo em que você se envolve vira essa mesma merda. Não consegue dizer sim para você mesmo e suas vontades mais ocultas. Ainda carrega aquele medo de desaprovação, quando, na verdade, você é o único com direitos sobre tudo o que faz. Não consegue se manter firme nem na própria presença. E o que vai ser daqui pra frente? Vai continuar abaixando a voz toda vez que alguém fala em um tom mais alto? Vai se curvar cada vez que alguém erguer o nariz? Que tipo de homem é você, afinal? Veio do nada e um nada se tornou. Tão vulnerável que um simples adeus te derrubou, congelou suas pernas e te deixou paralisado a ponto de não conseguir nem ao menos gritar. E, quer saber? Era tudo o que ela precisava. A vida real é complicada e tudo o que fazemos é adicionar ainda mais complicações à ela. Vai continuar parado olhando sua garota correr junto com a vida enquanto você é empurrado? A evolução do homem depende única e exclusivamente dele. Seus caminhos, suas escolhas e suas atitudes são o tipo de coisa que ele tem que decidir sozinho. Você parado não evolui em nada. Nem pra frente nem pra trás. É simplesmente deixado, porque está todo mundo andando e caminhando e enfrentando suas frustrações diárias, mas indo em frente. E você? Bom, você é só um corpo cheio de medo e solidão parado no seu próprio trânsito de dúvidas. De sentimentos. Uma hora você é atropelado. Mas esse é um tipo de atropelamento opcional. 

sábado, 13 de outubro de 2012

Dia 8.
Despedida.

        Hoje, pela primeira vez, me veio tudo o que aconteceu no dia em que você resolveu me deixar. Por tanto tempo evitei essas memórias, dessa vez apenas me deixei levar por elas. E foi tudo se encaixando, como num quebra-cabeça, as cenas em minha mente e o momento mais agoniante de minha vida. Lembrei de tudo. Lembrei que estranhei quando te vi arrumando a mala tão desajeitada, como se tivesse uma pressa absurda em largar pra trás tudo o que construímos com tanto trabalho; desde nossa casa a nosso amor. Estranhei você misturando camisas com calças e roupas íntimas, porque você sempre foi perfeccionista demais pra deixar passar esses detalhes tão abusivos aos olhos. Estranhei quando olhei pra você e percebi uma lágrima descendo até a ponta do seu nariz, porque você nunca chora. Nunca. Intacta e perfeita, você sempre manteve sua pose de fortaleza indestrutível e agora estava ali na minha frente colocando na mala todas as dores guardadas durante seus poucos anos de vida. Estranhei porque não consegui me mover da poltrona pra te agarrar e pedir pra você ficar. Logo eu, sempre tão seu e tão inseguro e tão dependente me mantive imóvel. Noutra situação, seria eu trancando a porta e dando uma de “menino mimado” sem querer te perder; seria eu implorando seu amor e você me mandando crescer um pouco, pois a vida não se resume a amores e tentativas frustradas de ser feliz. Estranhei porque você olhou pra mim com olhos tão molhados e vermelhos que parecia um pedido de socorro de uma menina inocente, coisa que você nunca foi. Estranhei porque você, que sempre foi mais organizada e maníaca por detalhes do que eu, saiu derrubando o abajur que minha avó nos deu e, toda desnorteada, deixou pra trás seu livro preferido de Carlos Drummond de Andrade. Estranho. E estranho tudo isso até hoje. Estranhei você dizendo que eu era um babaca e iria me arrepender de ter me mantido indiferente enquanto você retirava todas as suas coisas, esvaziando seu lado do nosso guarda-roupa enquanto enchia meu coração de dúvidas e apelos silenciosos, porque você não costumava dizer tantas palavras numa única frase. Estranhei porque o silêncio com o qual você me fez conviver por anos se quebrou quando você resolveu por pra fora toda a sua raiva por minha fraqueza e estupidez diante daquela cena deprimente em que eu era o vilão sem coração e você a mocinha implorando por mim e meus cuidados somente com os olhos. Estranhei tudo. De começo ao fim, da primeira à última palavra, do beijo de bom dia ao bater de portas no fim da noite, eu estranhei. E você estava certa, no fim eu me arrependi. Mas, isso eu não estranhei. Porque eu sempre me arrependo e você sempre está certa.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012


Dia 7.
Meu grande homem.

Quando meus avós começaram a namorar, bem naquela época onde pegar na mão era o ápice da liberalidade em um relacionamento, eles namoravam por cartas. As cartas daquela época eram os SMSs da atualidade. Minha avó as guarda até hoje. São pouco mais de 50 cartas e não existem mais porque o namoro não durou muito, logo se casaram. Depois do casamento, as cartas deram lugar aos bilhetinhos surpresa. Meu avô era um romântico nato, todos os dias ele deixava uma flor em cima da mesa e um bilhete um algum lugar estratégico. Às vezes ele era bem simples, mas também sabia surpreender. Minha vó, uma bobinha caída nos braços do moço certinho, se derretia toda com qualquer versinho que ele fazia, porque, por mais clichê e previsível que fosse, ela sabia que era de verdade e amava aquele homem que gastava tempo e tinta todo santo dia pra deixar sua amada mais feliz. Meu avô sempre foi o meu exemplo de homem. Não porque era piegas e cheio de lições, mas porque sabia fazer isso sem ser apelativo ou melodramático. Meu avô era homem de verdade, sem falsas máscaras e eu sempre quis ser como ele. Talvez também porque, na minha cabeça, ser um homem como meu avô me traria uma mulher como a minha avó.
Entrei no quartinho dos fundos depois de duas tentativas de voltar pra sala. Parece drama, mas aquilo realmente me machucava. 1 mês depois de eu me mudar, meus avós vieram me visitar e aquele quarto não era a bagunça que está agora. Era um quarto de guardados, mas, totalmente organizado. - Foi ali que li as cartas que meus avós trocavam e os bilhetinhos. - Meu avô foi meu melhor amigo durante 22 anos e meio. Ele me ensinava tudo. Tudo mesmo. Me ensinou a empinar pipa e a chamar uma garota pra sair. Me ensinou a fazer carrinho de madeira e me ensinou a respeitar os sentimentos de todo mundo. E hoje, ao entrar no quartinho dos fundos pela primeira vez em 5 anos, eu vi o homem que eu tentei ser durante toda a minha vida desmoronar pela primeira vez. Caí, desabei e ajoelhei chorando. Como eu poderia ser tão fraco? Um homem de completos 26 anos estava caído no chão de um quarto escuro porque era menino demais para aceitar que seu avô já se fora há anos e ainda não superara a ausência e a falta que os telefonemas às 19h30 faziam em todos os dias. Parece estupidez, mas é só saudade. Meu avô teve um ataque cardíaco na minha frente, exatamente ali naquele quarto, enquanto ouvia música em sua vitrola enferrujada e eu não pude fazer nada para salvá-lo.
Minha vó até hoje tem tudo guardado. Cartas, cartões, bilhetinhos,  presentes e, principalmente, todas as palavras que meu avô disse. Ela me ajudou a superar tudo quando, na verdade, esse era um papel a ser exercido por mim. Ela o ama todos os dias de sua vida, como se a qualquer momento ainda fosse encontrar um de seus bilhetinhos escondidos pela casa. Ela lava e passa sua camisa preferida toda semana e a coloca no guarda-roupa, como se a qualquer momento ele fosse chegar chamando-a pra sair para dançar. Ela esconde sua dor, mas é perceptível que a saudade a habita e maltrata tanto quanto a mim. A minha vó vive amando meu avô. O meu avô morreu amando a minha avó. Sabe quando dizem que o amor não é eterno e que nada nessa vida dura pra sempre? Bom, se isso for realmente verdade, meus avós são a exceção da regra.
Na bagunça do quarto, ouvindo a trilha sonora do falecimento que achei ao lado da vitrola velha de meu avô, encontrei um dos bilhetes deixados por ele, esse dentro do pote de açúcar:

Sempre que se perguntar se o nosso amor é eterno, lembre-se de que um dia um rapazote bateu na porta do seu pai pedindo sua mão em casamento. Sem trabalho certo, ele apenas queria garantir sua amada. Lembre-se que ele era inseguro e irresponsável, mas tinha certeza de que poderia ser responsável pelo seu coração. Lembre-se de que anos depois, ele ainda te manda recadinhos apaixonados toda manhã pra te lembrar do quanto ele é seu. Lembre-se de que o coração do homem velho continua moço, assim como o amor que ele sente. Um coração apaixonado nunca envelhece, um amor plantado nesse coração nunca morre. Pra sempre serei seu e sempre serás minha. Nosso amor foi eternizado pela nossa juventude interior. Serás minha amada apenas pelo tempo chamado sempre.

Escrevo isso hoje porque completaríamos dois anos de namoro. Você não está aqui. Provavelmente está em casa, lendo um livro ou vendo uma de suas séries de TV. Talvez nem se lembre que essa data é especial pra nós dois, mesmo tento tudo acabado. Mas, eu aguardo. Por você, por nós, eu aguardo. Meus avós me ensinaram que é possível que o pra sempre exista. Se existir, pra sempre esperarei por você.

terça-feira, 9 de outubro de 2012


Dia 6.
Camilinha.

Acordei mais cedo hoje. Ainda tinha que terminar aquele projeto da noite passada que, indiretamente, você não deixou. Queria um banho mais demorado também, algo que me levasse pra fora de mim e me privasse de meus problemas sempre tão constantes. Ainda mantenho aquela viva esperança de que a água quente e corrente arranque tudo o que me é torturante e leve para o ralo, junto com o suor e cansaço. Algumas vezes deu certo. Resolvi sair a pé. Queria olhar a rua, rever os vizinhos, apreciar o dia e tentar respirar algo além do ar-condicionado do carro. Na ida para o escritório, passei por aquela pracinha em que a gente se viu pela segunda vez. Não estranhe, me lembro de cada encontro que tivemos. Casual ou premeditado, eu me lembro. Havia algumas crianças brincando por lá enquanto os pais as olhavam atentos. Aquele cuidado típico de quem se preocupa e tem medo de que algo de ruim aconteça. Você conhece isso muito bem porque é o tipo de cuidado que eu sempre mantive por você. Você sempre foi pequena, baixinha, cabe direitinho no meu abraço, e toda a sua delicadeza natural era algo que me fazia zelar por você como se um simples passo em falso fosse te fazer quebrar por inteira; embora eu sempre soubesse que você não se quebra fácil. Uma das crianças veio correndo em minha direção me chamando de titio e pulou no meu colo. Quase não a reconheço. Parece até inacreditável pra mim, mas quase me esqueci dela... Era uma menininha, ruivinha e sardenta, dona de um sorriso que derrete o coração de qualquer pessoa nesse mundo. A Camilinha, você lembra? Claro que se lembra. A nossa filhinha emprestada. A salvamos uma semana antes de você ir embora. Ela se perdeu da mãe no desfile de 7 de setembro, e você ficou tão comovida com aqueles olhos molhados que rodamos por exatas 2h18min procurando a Dona Carmen. Confesso que pensei em desistir por duas vezes, mas você não deixou, estava realmente empenhada em ajudar uma criança de 8 anos que nem ao menos conhecia. Quando finalmente encontramos, você disse que só aquele sorriso fez valer toda a cansativa caminhada sob o sol escaldante. Você nem sabe, mas essa foi a primeira vez em que eu tive certeza que você era a mulher da minha vida. Abracei, dei um beijo na testa e ela comentou que minha barba estava um pouco maior. Disse que eu estava mais bonito também. Aí ela perguntou de você... Balbuciei um pouco, pensei em não comentar nada e simplesmente mudar de assunto, mas falei que não estávamos mais juntos. Ela fez um biquinho de tristeza exatamente igual ao que você fazia quando estava com manha. Aí ela perguntou se eu ainda te amava. O que uma pequena mente inocente como a dela entendia de amor? Por que essa curiosidade sobre esse assunto? Por que essa pergunta logo agora que meu coração começa a aceitar o fato de não te ter mais? Não achei resposta. O engraçado é que eu nem soube mentir. Assim como você, ela bloqueava isso em mim. Apenas balancei a cabeça positivamente e abaixei os olhos. Ela me abraçou de novo. Suspirou, bem como eu suspirava quando não tinha mais o que dizer. Apertou o abraço. Não pude evitar, soltei um sorrisinho bobo de canto. Há muito ninguém demonstrava tamanho afeto e preocupação com meu discreto sofrimento. Ela, uma criança que virou alguém na minha vida por acaso, já compreendia quando deveria ser mais do que uma pessoa na minha frente e, mais do que isso, sabia a exata hora de virar só braços encobrindo minha dor. Ela parecia mais com um anjo da guarda zelando por um homem barbado que mal sabia se cuidar. Parecia até você... Me despedi dela, disse que tinha que ir embora, já estava realmente atrasado para o trabalho. Ela retardou minha saída segurando minha mão e me mandou abaixar novamente. Olhando nos meus olhos, ela disse as palavras mais incríveis que poderia: “A tia veio aqui semana passada, sabia? Ela parou bem aqui onde você tá. Ela disse que te ama.” Me abraçou pela última vez e voltou correndo para onde estava sua mãe. Foi ser de novo só uma criança feliz no parquinho do bairro. Saí meio zonzo com o que ouvira ainda, olhei pra ela e ela acenava com a mão. Acenei de volta e segui com meu dia. Achei isso tão incrível que meu coração ainda pulsa toda vez que lembro. É certo que ela não sabe disso, mas, suas palavras me fizeram feliz por um dia inteiro. 

domingo, 7 de outubro de 2012


Dia 5.
Última dose de você.

Sinto um calafrio vindo do lado direito do quarto todo dia nessa mesma hora. Essa é só mais uma noite que eu termino sozinho, mas a cada dia vou ficando um pouco mais longe de mim mesmo. O relógio agora já marca 01:30, mas o sono me abandonou por mais uma madrugada. Janela aberta e cortinas balançando. Por menos que queira, essas coisas me distraem. Uma monotonia e calmaria que se tornaram constantes. Fico impressionado como todas essas coisas, por mais simples que sejam, têm a capacidade de mover minha mente de modo que eu me lembre de você e todo o seu jeito torto de ser.
Há duas horas estou com uma folha em branco jogada na mesa tentando projetar uma casa de campo a mando de meu chefe. Há três, o projeto esteve pronto, mas embolei o papel e joguei fora. Inconscientemente, projetei a casa dos nossos sonhos. Você, seu jeito abusivo e único, me movem os pensamentos e me desconcentram de tudo o que tento começar. E isso não se resume à arquitetura.
Essa semana eu senti uma saudade absurda de todas as suas manias toscas e exclusivas. Procurei de todos os modos encontrar um pouco de você em cada canto da casa. Não sei se foi coisa da minha cabeça, mas senti o cheiro do seu shampoo no banheiro e posso jurar que ouvi sua risada vinda da sala, coisa que você fazia com muita frequência. Você ria até do jeito que o peixinho dourado se balançava no aquário. Minhas lembranças não me abandonam nem que eu arranque fora a minha cabeça. Sua mania egoísta de levantar de manhã sem a menor preocupação em me acordar. Pra mim, até hoje, essa era sua maneira de me despertar só pra vir se ajeitando no meu peito logo depois. Sua mania de tentar ser sexy com suas danças esquisitas em cima da cama, fora do ritmo e do compasso e você dizendo que aquilo era só uma de suas técnicas de sedução. Você nem sabe, mas seu melhor jeito de ser sexy era jogada ali mesmo no meu colchão, com minha camisa dos Beatles, o cabelo molhado e a carinha de sono que te fazia parecer a menininha do papai. Sinto saudade até mesmo do jeito que me ignorava quando eu fazia minhas declarações melosas ao pé do seu ouvido enquanto adormecia. Seus acertos e defeitos. Apenas sinto falta.
As cortinas balançando me lembram da leveza e delicadeza com a qual você tratava todo mundo, mesmo que o tempo todo tenha tentado deixar a frieza esconder a verdadeira pessoa que lhe habita. Aquele balançar suave me lembrou de suas mãos passeando em meu rosto e reclamando do tamanho da minha barba. Vez ou outra você me chamou de Raul Seixas e disse que eu era um maluco belezaDiscutimos por uma da noite inteira porque sua teimosia não te deixava aceitar que “Maluco Beleza” era de Caetano e não de Raul. Até esse vento frio me lembra você. Porque naquele dia, no bater de portas e lágrimas no chão, você disse que nunca deveria ter me amado. Acredito que uma faca no meu peito doeria menos do que tais palavras sendo expulsas por sua boca. Você pareceu se arrepender no mesmo instante, mas seu estúpido orgulho não te permitiu pedir desculpas. Você, assim como esse vento incômodo, se apropriou do local como já sendo de casa e me roubou sem chance de escape.
     Já rodei a casa inteira te procurando. De cômodo em cômodo eu olhei. Repeti todo o processo que fiz em todos os dias desde que você me deu o último tchau. Olhei dentro do armário, do guarda-roupa, embaixo da cama, e, dessa vez, até dentro do forno me dei o trabalho. Já faz dois meses que você se foi e eu me recuso a aceitar que tudo tenha ido junto. Seus CDs ao lado dos meus, seus sonhos compartilhados comigo, seus pensamentos me confundindo. É como se você fosse um remédio que tomei por muito tempo e agora, logo agora, o médico fez o favor de mandar parar. No momento em que mais preciso, o remédio foi vedado de minha receita. E o médico, bom, o médico nem ao menos sabe. Viciei. Não consigo parar. Ainda preciso de um pouco mais. Mais uma dose do remédio. Só mais um pequena dose. Só mais uma de você.

sábado, 6 de outubro de 2012


Dia 4.
Um bilhete quase esquecido.

Andei revirando umas coisas velhas em meu armário. Poucas roupas e muitos guardados. Achei umas cartas, uns cartões de dia dos namorados, uns números de telefone e um de seus frascos vazios de perfume. Meu objetivo era arrumar minha bagunça, aproveitei até pra (re)ouvir uns CDs de Nando Reis, mas acabei reorganizando as lembranças de minha mente e rodando-as como se faz com aqueles filmes antigos. Reli tudo, conferi a utilidade dos números de telefone e procurei um restinho de perfume no frasco. Achei um pouco de você.
As cartas amassadas e amontoadas numa caixa de sapato velha eram quase todas de minha irmã. Depois que ela foi estudar fora, acabamos por nos comunicar mais assim do que por telefone, porque nossos horários nunca batiam. Uma outra era de minha mãe, uma de meu amigo de infância que foi morar em Londres e uma sua. É, tinha uma sua. Você que sempre jogou na minha cara que carta era coisa de gente velha e desocupada. Você sempre tão chata, nunca compreendeu o fato de eu não querer abandonar o cheiro de papel novo e a magia da caneta deslizando e transformando meus sentimentos em escritos. Nunca entendeu que escrever pra alguém, no meu caso, é a mesma coisa de estar conversando frete-a-frente. Cara-a-cara. 
Sua carta era uma das coisas mais especiais que eu já guardei na minha vida. Sempre guardei a campainha da minha primeira bicicleta, meu primeiro livro, uma folha da primeira árvore que subi e agora também suas letras em um papel velho. Um pedido de desculpas. Me atrevo a dizer que esse é um patrimônio da humanidade, porque você praticar o ato de pedir desculpas é a coisa mais rara que eu já presenciei. Não sei nem se aquilo pode ser considerado uma carta, era pequeno, poucas linhas, foi feito atrás de um anúncio de supermercado e pendurado na geladeira numa tarde solitária de domingo durante o meu banho demorado. A gente quase acabou com tudo naquele dia. Apesar de pequeno e desleixado, me fez chorar feito criança perdida:
“Sou idiota. Burra, estúpida, infantil e não te mereço. Não mereço seus olhos me fitando durante a madrugada nem os seus sonhos que protagonizei. Você é tão incrível que às vezes me pego perguntando a Deus  se ele não teria cometido um erro ao te colocar no meu caminho. Me desculpa. Desculpa? Eu te amo. É. Te amo. Não ria de mim, por favor. Não sei fazer essas coisas. Amo mais do que brigadeiro. Acredita agora? Você é o exatamente homem que eu sempre quis e eu gostaria de ser sua mulher também. Aceita? Não me largue por aí não. E vê não me deixa cometer a burrice de quase te expulsar de minha vida de novo. Não quero parecer egoísta, mas, me segure!”
Foi a primeira vez que você disse que me amava. Foi a primeira vez que acreditei que alguém poderia me amar mesmo com esse jeito tão desajeitado. Te dizer que sempre guardo as coisas que considero especial, é só um pretexto pra dizer que pra sempre te guardarei.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012


Dia 3.
O assunto não é você.

Hoje eu tive um encontro. Um daqueles comuns onde a gente convida uma mulher que conheceu no shopping, conversa e termina a noite na cama. Ouvi o som da campainha, mas meu coração nem acelerou. Estava tão calmo que nem eu mesmo me reconhecia. Você me conhece, sou todo estabanado e aflito. Não foi esse o termo que usou? Estabanado. Levantei sutilmente do sofá, desliguei a TV, sem pressa, sem ansiedade e fui atender a porta. Lembrei-me da primeira vez que você veio jantar comigo. Fiquei tão apavorado que derrubei a garrafa daquele vinho caro que até hoje não aprendi a pronunciar o nome. Mal sabia eu que você nem ligaria pra essas besteiras que fiz pra tentar te impressionar. Você sempre se mostrou tão diferente que me julgo um imbecil por ter achado que seria tudo igual.
Ela era loira, alta, um batom exageradamente vermelho. Parecia ser do tipo provocante, sabe? E era. Sua beleza era estonteante e indiscutível. Vestido justo, salto agulha e um cabelo bem liso, diferente do seu que estava quase sempre bagunçado. Eu gostava. Não supera o seu, mas era bonito. É impressionante como eu me envolvi com uma mulher exatamente do tipo que você odeia. Pode parecer provocação, mas foi puro acaso. Eu mal reparei nela no começo. Você dizia que esse tipo de mulher se produzia com tanto zelo só pra tentar preencher o vazio que carregava no lugar do cérebro. Você e seus preconceitos estúpidos. Você que sempre foi o oposto de toda essa futilidade que envolve certos mundos femininos. Sempre no básico e improvisado. Ela insinuou tanto que queria sair comigo que eu acabei convidando-a pra jantar, já com você, eu tive que batalhar por quase uma semana. Nunca fui disso, de ficar indo atrás de mulher. Minha timidez nunca me permitiu. Mas você nunca foi comum e acabou me tirando do meu comum também, talvez esse seja o principal motivo pelo qual me apaixonei. De qualquer forma, o assunto aqui não é você. 
Ela entrou, me deu um beijo no rosto e foi reta até a mesa. Tá, vamos lá, é impossível não lembrar de você. Quando veio aqui pela primeira vez, você observou a casa inteira e perguntou quem era a morena bonita no porta-retratos da sala. Quando disse que era minha irmã, você olhou pra mim e perguntou o que tinha dado de errado na minha fabricação. Você riu e eu ri, como sempre. Bobo e tímido, sempre rindo de você. Sempre pra você. Daí você disse que a cor de minhas cortinas não combinava com a cor das paredes. Me chamou de brega e riu da minha cara de surpreso. Você e sua mania de ser tão intrometida. Mas, o assunto aqui ainda não é você. 
Ela fez uma cara de mais ou menos pra minha macarronada improvisada, mas sorriu educadamente e comeu sem reclamar. Ela falava sem parar também, mas não consegui compreender direito o que foi dito. Me perguntou se estava bonita três vezes durante o jantar e foi ao banheiro duas retocar a maquiagem. É, eu lembrei de você. De novo. Porque eu fiz essa mesma macarronada pra gente e você riu de mim - já tinha virado seu esporte preferido - e disse que não dava pra comer aquele grude. É, você usou esse termo pra minha comida que nem era tão ruim assim. E riu de novo. E eu ri de sua risada estranha. E ri de mim. E do jeito que eu estava tão idiotamente apaixonado por aquela menina na minha frente. Pedimos uma pizza e coca-cola e rimos um do outro quase que o tempo inteiro. Aí que eu pensei na outra.
Será que ela aceitaria terminar uma noite jogada no sofá depois de se empanturrar com pizza e coca-cola? Será que ela entraria no meu quarto sem ser convidada, mexeria nos meus livros e diria que a bagunça de minha cama combinava com a da minha cabeça? Será que ela ficaria com vergonha, me chamaria de feio barbudo e mudaria de assunto instantaneamente depois de eu elogiar o sorriso dela? Eu acho que não. Porque ela não é você. Ela não tem sua mania de soltar um grito enquanto dá risada nem de mexer nos meus CDs procurando algo que preste pra dançar. Ela não teria a cara-de-pau de reclamar dos filmes da minha estante e dizer que eu tenho que ter um pouco mais de cultura na minha casa. Ela não tem sua doce loucura nem seu jeito manhoso de me fazer mudar os planos. Não tem o dom de transformar meu vazio em pequenas construções. Ela não consegue bagunçar meu mundo inteiro fazendo-o virar de ponta-cabeça, talvez ela até o arrume com aquele jeito mulherão de ser. Mas, você sabe, me conhece, eu não gosto de nada arrumado. E ela é bonita, educada e refinada. Uma mulher incrível. Fala baixo e sabe esperar eu oferecer algo. Tem toda a feminilidade que uma mulher precisa e um perfume doce que envolve toda a minha casa. E ela ainda está aqui. Não fugiu de mim quando tentei beijá-la, nem saiu correndo pela minha porta na primeira oportunidade. Talvez seja ela a me acordar amanhã com um beijo suave na barba mal feita ao invés daquele barulho absurdo que você sempre faz de manhã. É, pode ser que seja ela, não pode? A mulher certa pra mim. Se não for agora, talvez o com o tempo seja. Vou pagar pra ver. Vou pagar pra vê-la. Até porque, o assunto hoje não você.

terça-feira, 2 de outubro de 2012


Dia 2.
Um encontro por acaso. 

Te vi na livraria hoje. Não ia lá há meses, tentei pausar as leituras na tentativa de pausar um pouco a minha mente. Bom, não deu muito certo. Então, resolvi hoje, por acaso, comprar O Diário de Anne Frank e conferir se era tão bom quanto você propagava. Me perguntei algumas vezes se realmente deveria sair de casa pra ir em um lugar que, como toda a certeza do mundo, traria de volta todas as lembranças de você. Aí pensei em o que você me diria se estivesse aqui. Você não sabe, mas ainda move meus dias e pensamentos. Mentalmente, em cada atitude que tomo, peço sua aprovação. Besteira, eu sei. Mas é que você se tornou uma parte de mim e eu não consigo mais me desfazer do meu você que habita no meu eu. Confuso, eu sei.
Você estava linda. Sério. De todas as vezes que te achei linda, essa foi a que te achei mais linda. Linda, linda, linda! Pareço um adolescente encontrando o primeiro amor, mas é que você me causa essas coisas idiotas. Você estava com o cabelo meio preso, mas meio solto também. Como se tivesse saído pra rua sem ao menos ajeitá-lo. Aliás, tenho certeza de que foi exatamente isso que fez. Pegou a mochila, colocou suas chaves e celular e saiu, sem se preocupar se algum conhecido te veria atravessando o semáforo fechado. Sua rebeldia nunca teve hora mesmo... Usava uma camiseta dos Ramones, que foi presente meu. Juro que meu coração deu uma leve acelerada, porque, na minha cabeça, se você ainda usa a blusa é porque gosta de se lembrar de mim. Meu sorrisinho de canto foi inevitável. A moça que folheava um livro ao meu lado me olhou meio torto depois. Moça intrometida essa, não é mesmo? Mas, pouco importa. Você também sempre foi assim. A diferença é que em você era bonitinho. Enfim. Você usava também sua calça jeans surrada e o all star sujo, porque você nunca foi de ficar lavando toda semana. Linda. Porque você não mudou nada, estava exatamente do jeito que sempre foi.
Piscou o olho esquerdo duas vezes ao ler a sinopse de um livro qualquer na prateleira. Era um tic nervoso, mas também essa era sua maneira de desaprovar algo ou alguém. Vi isso pela primeira vez quando comprei uma camisa laranja e você ficou com vergonha de dizer que era feia. Você só piscou o olho esquerdo duas vezes e disse que a azul era mais bonita. Naquele momento eu tive certeza que era a minha garota ali, a uns 10 metros de mim. 10 metros à frente, como sempre. Você sempre se manteve adiante de mim, tanto na rua quanto na vida. Dois anos mais nova e terminou a graduação primeiro. Nunca me conformarei com isso. Senti seu perfume de longe, mas acho que isso já é normal. Sinto seu perfume até quando não estou perto. É como se ele já fizesse parte de mim também, assim como tudo o que é seu e um dia me pertenceu.
Você me viu. Sim, eu tenho certeza. Depois de escolher o livro que compraria, você pagou, se virou e me viu sentado e te apreciando. Não fiz questão de virar, desviar o olhar ou fingir que não fiquei te fitando por meia hora. Não. Continuei olhando. E você me viu. Você foi a covarde dessa vez. Me evitou, fingiu não me conhecer, me ignorou. Fiquei com vontade de levantar e ir atrás de você, perguntando: “Ei, quem te deu essa camisa dos Ramones?” “Quem te deu aquele CD de Foo Fighters que você deixou sua cadela arranhar?” “Ei... Volta aqui! Quem te deu um coração quase sem marcas que você fez questão de se desfazer como se não se importasse mais?”. Não fiz nada. Nem um oi-tudo-bem saiu. Nada. Paralisado estava te admirando, paralisado permaneci quando você saiu da livraria. Me senti um idiota pela segunda vez. De novo, não tive pernas pra correr. Idiota porque você esteve tão minha e eu não soube te guardar, e agora esteve tão perto e não soube te segurar. Me sinto um inútil idiota que viu a mulher de sua vida vida virar as costas duas vezes e, mesmo querendo mais do que qualquer coisa no mundo, não soube implorar em nenhuma delas. 

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Dia 1. 
Um bilhete disfarçado. 
   
    Tarde demais. Achei isso muito bem escrito em um papel jogado na gaveta do meu criado-mudo. Embaixo de um livro, todo dobradinho, como se ninguém o devesse encontrar. Não estranharia se reconhecesse minha letra mal feita ali, porque eu sempre desisto de tudo e de todo mundo. Sempre deixo passar, sempre reconheço o fim se aproximando. Sempre é tarde demais pra mim. Mas, não. Aquelas letrinhas tão redondas e feitas tão cuidadosamente não me pertenciam. Sua letra era inconfundível pra mim, porque me lembro que só pude vê-la depois de 5 meses insistindo. Você nunca gostou de escrever porque sempre teve vergonha de se mostrar por inteira pra qualquer pessoa. E isso não era algo exclusivo de sua caligrafia. Você se escondeu de mim o quanto pode, pelo tempo que pode e eu sempre buscando uma brecha pra te descobrir um pouquinho mais e melhor. Fui um intruso quase que o tempo todo. Mas, olha, nunca nada disso adiantou. Assim como reconheço sua letra embaralhada em um papel sujo, reconheço você, como sempre bagunçada, em uma multidão de mulheres estranhamente iguais. 
    Tarde demais. Parecia um recado. Um apelo. Uma lamentação. Apesar de te conhecer como ninguém, nunca consegui te decifrar completamente. Você era um enigma com mil variáveis e eu nunca cheguei a resolver metade. Como eu poderia agora traduzir o que essas duas palavras significariam? Confesso que dei de ombros primeiramente. Você é tão maluca que poderia muito bem ter feito aquilo pra me preocupar na manhã seguinte, me deixar com uma pulga atrás da orelha e tomar mais café que o normal com medo de você ir embora. Tratei de me convencer de que aquilo era só um papel amarelado pelo tempo jogado no fundo de uma gaveta abandonada, que só era aberta no fim do mês, quando eu tentava me livrar das contas pagas de algum jeito. Poderia ser o nome de uma música que você ouviu no rádio, ou o nome de um livro que você gostaria de comprar. Você sempre manteve essa mania de escrever em tudo e largar por aí, apesar de sua organização ser impecável.  Mas também poderia ser só um rabisco sem importância feito numa noite de insônia, já que elas eram meio que frequentes pra você. Mania de preocupação excessiva (e essa você pegou de mim). Não precisa ter obrigatoriamente um significado poético e bonito, precisa? Mas, aquilo ficou me martirizando. A minha cabeça - já tão cheia de dúvidas - gerou mil e uma possibilidades e motivos. Até busquei na internet pela frase pra ver se algo ali me lembrava você, ou algo que fez, e se eu encontrava um motivo aparente pra'quilo ser deixado na minha gaveta tão bem guardado. Sempre tive essa mania tola de achar que tudo o que você faz é um sinal de alguma coisa. E o pior é que eu sei que você nunca foi de fazer besteirinhas românticas, então isso era improvável.
    Tarde demais. Do que você estava falando exatamente? Do nosso amor? Do meu arrependimento? Do seu arrependimento? Do nosso fim trágico e deprimente? Da minha covardia? Da sua frieza? Nunca vou saber. Só sei que minha cabeça quase explodiu com essas duas palavras me martelando a mente durante um dia inteirinho. Não sei que dia isso foi colocado na minha gaveta, se foi jogado ou planejado, se tinha data pra ser visto ou era só mais uma de suas esquisitices. Mas lembro-me exatamente do dia em que você empurrou isso para minha vida. Rigorosa e sutil. E foi bem sutil: um pouco no dia em que o vazio começou a se espalhar em minha sala, meu quarto, minha cama, até conseguir alcançar o meu corpo. Outro tanto no dia do bater de portas e troca de ofensas. Mais um pouco no dia em que viramos estranhos e não nos reconhecemos no show da bandinha da cidade. O restante quando você me esqueceu completamente. 
   Tarde demais. Talvez essas duas palavras só signifiquem o que o dicionário nos diz. Só uma junção de palavras que significa o que têm que significar. Sem melodrama, sem belos pensamentos ou intenções. Sem romance improvisado. Tarde demais para você me procurar, tarde demais para eu me desculpar. Tarde demais para nós dois. Tarde demais porque já é tarde demais.  Simplesmente já não tem mais pra onde voltar.
Um pequeno esclarecimento: 
      Meu nome é Paula Lago, tenho 18 anos e escrever virou uma paixão desde os meus 10 anos. Tenho um Tumblr (prefiraasimplicidade.tumblr.com) que uso para postar os textos de minha autoria. Diário de Frederico era apenas uma tag, uma ideia meio maluca que foi tomando corpo e que era postada no Prefira a Simplicidade. A ideia surgiu quando comecei a analisar todos os meus antigos relacionamentos e as coisas (boas e ruins) que eles me renderam. Acho importante frizar que Frederico é só uma personagem, é fictício, não existe. É a junção de todos os bons homens que conheço, virou meu xodó e achei que seus rascunhos deveriam atravessar o muro do Tumblr. 
      Os textos que postei até então, eram mais ou menos curtos. Meus seguidores de lá não gostavam muito de textos extensos, então, eu os reduzia para que eles ao menos tivessem a curiosidade de ler. Não sei se funcionou, mas, Frederico virou meu pequeno orgulho e me veio a ideia de mostrá-lo a mais gente. 
      Frederico é baseado na vida de um homem que teve sua maior decepção amorosa aos 26 anos, quando foi abandonado por sua então namorada. Ele narra em seu diário todos os momentos depois de sua partida. É uma partilha de memórias, sentimentos e dúvidas, tudo isso criado por mim. 
      Espero que gostem, aproveitem bem e curtam!  




Paula Lago