segunda-feira, 3 de dezembro de 2012


Dia 13.
Primeiro encontro.

Hoje almocei naquela lanchonete onde marcamos nosso primeiro encontro. O tempo anda tão corrido pra mim que não consigo chegar em casa com calma, comer feijão e arroz e voltar pro trabalho. Paro na primeira esquina que vende algo que me mantenha em pé e como, isso quando consigo sair do escritório. Não é reclamação, os projetos que tenho feito andam me rendendo belas comissões, já pensei até em trocar o carro e alguns móveis da casa. Entrei, fiz o mesmo pedido daquele dia. Ali, naquele balcão, combinamos de sair na semana seguinte. Depois de umas 3 semanas conversando, eu te chamei pra sair. Depois de mais 3 semanas insistindo, você aceitou. A gente foi no restaurante português do centro, depois saímos pra apreciar a noite que, por sinal, se mostrava a mais linda de todas. Você era a mais curiosa dos seres.

                    O que você pretende depois que concluir a faculdade?
                    Trabalhar, né?
                    Não... Eu digo, você vai continuar aqui ou quer ir embora pra, sei lá, Paris, por exemplo?
                    Não sei. Mas eu não iria pra Paris.
                    Por quê? Paris é linda...
                    Não sei se seria o lugar apropriado pra um arquiteto recém-formado.
                    Verdade... Ficar, então?
                    Acho que sim. Tudo depende, sabe? Já pensei em voltar pra minha cidade, mas não sei se é exatamente o que quero. Me acostumei aqui. Acho que só preciso de um motivo a mais pra ficar de uma vez.
                    E que motivo seria esse?
                    Sabe... Há quase dois meses eu conheci uma garota numa livraria e...
                    Para!
                    Dá pra me deixar ser romântico?
                    Não.
                    Não preciso de sua autorização mesmo.
                    Tô falando sério.
                    Eu também tô.
                    Você ficaria aqui por mim?
                    Não. Por você não. Ficaria por nós dois.
                    Olha, Fred...
                    Tô olhando.
                    Eu não quero fazer isso.
                    Isso o que?
                    Isso. Jantar, passeio, mãos dadas, beijos...
                    Mas a gente nem se beijou ainda.
                    Posso terminar?
                    Se você não for ser muito chata, pode.
                    Daqui a pouco eu vou pra sua casa, a gente dorme junto e ...
                    Tá querendo ir dormir comigo, é? Mas que rápida você!
                    Fred...
                    Desculpa. Termina.
                    E em um mês já estamos dividindo a gaveta do banheiro. É isso que eu não quero.
                    Eu posso colocar uma gaveta só pra você no banheiro, então.
                    Não é a gaveta.
                    Quer um banheiro separado?
                    Não quero me envolver.
                    A gente não precisa se envolver... Você vai lá pra casa, a gente dorme junto e amanhã eu esqueço que você existe. Não precisa nem me dar seu telefone.
                    Nem tenta porque você não faz o tipo cafajeste. E você já tem meu telefone.
                    Você só me conhece há algumas semanas, como pode saber que não sou um cafajeste querendo te usar?
                    Já conheço o suficiente.
                    Não aposte nisso.
                    Que seja. Você não iria me esquecer assim.
                    Tá se achando inesquecível, é? Pera lá, mocinha...
                    Eu não costumo ser dessas garotas fofas e gentis o tempo todo. Na verdade quase nunca. Eu leio muito romance mas nada disso nunca me atingiu. A busca por uma carreira profissional, por exemplo, é maior que a espera do homem perfeito. Não. A minha vida nunca se resumiu a romances de banca de jornal, eu não sou assim. E você é legal demais. Meu Deus, eu nunca saí com um cara como você e você mostra nos seus olhos a estabilidade que procura e eu sou instável demais pra te prender a mim. Seria injusto porque eu sei como vai terminar e eu sei que no fim eu vou estragar tudo cedo demais.
                    Mas a gente só jantou.
                    E você tentou caminhar de mãos dadas comigo três vezes.
                    É legal.
                    Mas não... Para.
                    A gente não precisa andar de mão dada, então.
                    Eu não me apaixono, Fred. Nunca aconteceu. Eu sou fria. Olha, eu não presto!
                    Geralmente as mulheres dizem isso pros caras quando levam um fora e tal, você tá meio que trocando os papéis.
                    Eu não levo fora também.
                    Ah, senhorita dona da verdade, então eu vou te dar um fora agora. Não quero mais sair com você!
                    Deixa de ser ridículo!
                    Eu não tô sendo ridículo. Você não acha que vai estragar tudo? Ótimo, eu acredito. Tá tudo acabado aqui.
                    Esse fora não conta porque a gente não tem nada.
                    A gente jantou, minha filha. Tu é chata pra caralho, nunca mais quero te ver na minha frente.
                    Então eu sou chata? Pelo menos não sou uma boba apaixonada que sai por aí querendo caminhar abraçada com uma pessoa que conheci numa livraria.
                    Nem eu. Era tudo encenação. Na verdade desde o começo eu só queria te levar pra cama porque você tem uma bunda legal.
                    Nossa, olhou pra minha bunda, Dom Casmurro?
                    Lógico. Ou você acha que te chamei pra sair porque te vi lendo em um shopping lotado sexta à noite?
                    Você não era há 10 minutos o cara romântico em busca do par perfeito?
                    Já achei meu par perfeito.
                    Nem chega perto de mim.
                    Você não manda em minhas pernas.
                    Se der mais um passo eu grito.
                    Então grita.
                    SOCOR... – Te interrompi com um beijo. O segundo foi você quem deu. E a gente foi pra minha casa. E em um mês estávamos dividindo a gaveta do banheiro. Porque eu venci a maior guerra - contra mim e contra você - só pra te ganhar. E tudo o que eu sempre quis foi te carregar nos meus braços até a cama, como fiz na noite em que você estudou até tarde. Mas aí você se deu conta que tinha se envolvido e que quebrara uma promessa que não deveria ser quebrada. Foi aí que você bateu a primeira porta na minha cara.
Saí da lanchonete e vi um casal de velhinhos brigando. O senhor deu as costas e foi pra direção contrária que a senhora que o acompanhava. Ele foi até a floricultura e comprou uma única rosa. Depois, mesmo naquela idade, saiu correndo atrás dela. Hoje eu penso que era exatamente isso que deveria ter feito quando você arrumou sua mala pra voltar pra casa de seu pais. Eu deveria ter corrido atrás. Mas sou cansado demais. Ou acomodado demais. Só sei que não aprendi a ir atrás de coisa alguma. 

terça-feira, 20 de novembro de 2012


Dia 12.
Existe vida sem você, só não aprendi a viver.

Ainda acordo cedo todos os dias. Minha barba cresceu, meu cabelo também. Continuo com problemas pra dormir com barulhos de trovões. Abriu uma padaria nova na esquina, fui lá algumas vezes atrás de uns sonhos, mas só achei daqueles recheados. Inauguraram um restaurante grego a cinco quadras daqui, a crítica no jornal é positiva. Parei de tomar coca-cola, diminuí o açúcar e sal e aprendi a comer salada. Bem, isso foi há umas três semanas. No domingo, voltei a tomar coca-cola, comprei alguns chocolates e joguei tudo que tinha de folha da geladeira no lixo. Conheci algumas pessoas novas. Contrataram uns estagiários na empresa e a mulher do cafezinho mudou. Saí com algumas mulheres. Loira, morena, ruiva, grande, pequena, fã de Beatles e de Luan Santana. Trouxe todas aqui. Experimentei comida diferente, viajei pelas cidades da região que ainda não conhecia. Rodei pela cidade inteira de bicicleta, descobri uma livraria nova em um bairro que nem sabia que existia e uma lanchonete que vende a melhor torta de coco que eu já comi.
Fui ao cinema, fui ao teatro, fui à faculdade onde me formei, visitei uns velhos amigos, reli cartas, bilhetes, ouvi músicas antigas, comprei uma camisa nova, panelas e arrumei a casa. Fiz a barba, cortei o cabelo, usei um perfume diferente, fui ao cinema com a moça da lanchonete que vende torta de coco, comprei um livro novo, um CD novo, fones novos e fiz um projeto novo pro trabalho. Conversei com a moça do cafezinho, peguei seu telefone, fui com ela ao restaurante grego que abriu, comprei coca-cola, chocolate e voltei ao trabalho sorridente. Vi você passeando de mão dada com o carinha musculoso da faculdade.
Deixei a barba crescer, o cabelo crescer, a casa ficou bagunçada de novo. Nesse tempo deve ter aberto uns 50 restaurantes novos pelas esquinas do meu bairro, mas eu só caminho olhando pro chão que é pra evitar ver algo que posso me socar o estômago e arder os olhos. De vez em quando tem chamadas perdidas da moça da lanchonete, da moça da livraria e a moça do cafezinho manda recados todos os dias pela secretária do meu chefe. Não consigo responder a ninguém. 
A vida seguiu e eu tentei acompanhar. As coisas mudaram, pessoas passaram, vieram, foram, ficaram, voltaram. Conheci gente, desconheci gente e reconheci gente. Eu tento caminhar a favor da maré, tento me adaptar, tentei até virar o homem responsável que toda mulher gostaria de ter. É complicado. Você sabe. Esse negócio de ser eu é complicado. Não adianta eu tentar mudar todos os meus estúpidos hábitos porque basta ver seu sorriso do outro lado da rua que meus planos de crescer parecem ridículos demais. Parece até que eu não sei mais viver sem seu olhar de aprovação. 
Quantas mudanças eu terei que fazer até conseguir não me questionar se você vai gostar, mesmo sabendo que agora você tá pouco se lixando se minha vida corre bem ou mal? Quantos amigos eu preciso rever até perceber que você não é a única que me entende, mesmo sabendo que é? Quantas vidas preciso (re)inventar até descobrir que você não é a parte mais importante dela, mesmo claramente sendo? Quantas mulheres eu terei que trazer para minha cama até conseguir arrancar seu cheiro do meu travesseiro?

segunda-feira, 12 de novembro de 2012


Hoje não é o Frederico.

Hoje o blog chegou a sua marca de 700 visitas (708, pra ser exata), nesse 1 mês e 11 dias de existência. Venho agradecer a todos pela paciência com os enigmas frederiquianos e agradeço pelo carinho com o qual o trata. Quem me acompanha escrevendo de perto, sabe o quão especial esse espaço é pra mim.
Não pretendia em momento algum falar nada sobre visualizações ou coisas do tipo, sempre quis manter isso em anônimo para não parecer que eu estivesse querendo usar números parar atrair mais números. Minha ideia sempre foi atrair leitores, gente que lê por puro prazer. Mas hoje, algo inusitado me aconteceu. Recebi minha primeira crítica negativa. Já esperava por uma, pra ser sincera, acho que demorou até demais. Porém, o que veio hoje, não se pode nem chamar de crítica. Hoje eu ouvi que o Diário de Frederico é uma "viadagem".
Bom, nunca coloquei arma na cabeça de ninguém nem sequestrei a mãe, ameacei a família, ofereci dinheiro, coagi, muito menos disse que meu blog era uma obra de arte inigualável que merecia ser o centro das atenções, paguei, dei brindes, ofereci sorvete grátis, e disse todos eram obrigados a ler e acompanhar. Ninguém é obrigado a clicar nos links que posto. Existe um x em toda aba de qualquer navegador que fecha uma página que já não é desejada. O engraçado disso tudo é que quem disse que o Diário é uma viadagem, é justamente o carinha que gosta de vestir roupinha de marca, falar palavrão escondido dos pais e gritar pra meio mundo o quão fodão é. Vive a vida sorrindo da desgraça dos outros e humilhando quem aparece em sua frente. O que tenho a dizer é que comentários desprezíveis como esse, apenas ganham o que lhes é de direito: desprezo. Bem como quem os faz.
Se o fodão se gaba por aí por usar termos ofensivos sobre as escritas alheias, ou seja lá o que for que qualquer pessoa faça na vida, me desculpe, mas ser fodão é a coisa mais ridícula que já vi. O Diário poderia lhe servir para alguma coisa, algo tipo saber diferenciar um verbo no infinitivo de um no pretérito, e você parar de dizer por aí que "eu confundir as coisas". Aprender a escrever poderia lhe ajudar a se expressar melhor, e lhe ensinar que viadagem não cabe dentro desse blog. Meu amigo, críticas eu aceito. Petulância não.
No mais, agradeço a quem acompanha o Frederico, agradeço a quem me pede para avisar quando sai post novo, a quem compartilha o link, quem curte ou simplesmente quem lê anonimamente. Sim, esse número é importante pra mim. Significa que eu estou conseguindo alcançar um punhadinho de gente que seja com minhas palavras. Agradeço a vocês que colaboraram com as 700 visitas. Muito obrigada! O Frederico agradece.

Paula Lago

quarta-feira, 7 de novembro de 2012


Dia 11.
Um homem de guardados.

Preservo-me no meu íntimo. Vezenquando me pego me questionado o quão fundo pode ser o íntimo de um homem e quantas histórias podem caber na escuridão na qual ele acaba se tornando. Vezenquando me sufoco, me afogo, mas volto às extremidades sozinho. Sempre fui uma caixa chaveada. Meu âmago é o desconhecido. Sou assim desde que me entendo por gente.
Quando criança, minha mãe me arrumava no domingo de manhã com a melhor roupinha do armário e penteava meu cabelo partido de lado. Ela passava uma pasta pra ele se ajeitar, não sei o que era, mas não ficava um fiozinho solto. Sempre tive curiosidade de saber pra que todo aquele capricho num domingo quente, mas nunca tive coragem de perguntar. A única coisa que eu sabia é que a gente estava indo à casa do papai-do-céu, porque era o que ela se dedicava a me dizer. Minha timidez sempre foi algo que passava por cima de mim, nunca a controlei nem mesmo em casa. Esse deve ser o motivo pelo qual eu sempre guardo minhas dúvidas e desejos insanos. Nunca fui de loucuras.
No caminho pra o tal lugar no domingo de manhã, minha mãe repetia cerca de 10 vezes que eu não poderia me comportar mal. Honestamente, não entendia. Eu era o mais quieto da família, falava pouquíssimas palavras e minha mãe achava que eu faria bagunça. Nunca me permiti insanidades – atravessar a rua sem segurar na mão de alguém teoricamente responsável era insanidade - nem na vida nem em nada. Na única vez que fiz uma loucura, saí quebrado a ponto de perceber que estive certo em me manter sossegado durante toda a vida. Chegávamos a uma casinha quase sem cômodos com uma cruz em seu topo. Aquilo tudo era tão estranho, por que teria uma cruz na casa de alguém? Mas nunca perguntei nada, muito menos comentei. Era meu dever me manter quieto e guardar minhas dúvidas, a timidez me impunha isso. Bem como me causou os choros mais abafados de minha vida, bem como me manteve distante do que de certo me machucaria, bem como me manteve longe do que supostamente poderia ser minha felicidade.
Quando me sentava em um daqueles bancos de madeira e via um homem de vestido lá na frente dizendo verdades nas quais acreditava, eu tinha vontade de perguntar a minha mãe o porquê de nós o ouvirmos e seguir aqueles conselhos. Mas não era meu direito. Não porque ela me dizia isso, eu já havia maquinado em minha mente que eu, em minha humilde pequenez de criança, não dispunha de direito de questionar nada. A única coisa que fazia, era me mandar juntar as mãozinhas e dizer amém, sem nem ao menos saber do que se tratava. Nunca murmurei nem reclamei ou sussurrei quaisquer palavras de desapontamento, sempre guardei tudo pra mim. E isso não se resume às idas às missas de domingo. Lembro bem do dia em que cortei o braço no arame farpado do sítio de meu avô. Fiquei horas morrendo de dor, mas não disse a ninguém. Sempre que me perguntavam, eu dizia que estava bem, mesmo com olhos pegando fogo na vontade de chorar. Chorava. Mas só chorava depois que todos saíam e eu me sentia na única companhia em que confiava, a minha própria. Sempre fui mais eu quando todos iam embora. É como se eu usasse uma máscara para cada aparição e ela caísse involuntariamente quando minha única companhia era minha sombra cansada de seguir meus passos. O cansaço de meus pés reflete notoriamente em minhas costas. Ando corcunda com tamanho peso que carrego. Silêncios pesam e, por escolha própria, fui usado durante toda uma vida como burro de carga de palavras não ditas. Sufoco-me a cada vez que lembro que caberia algo mais e poderia ter dito um pouco mais, implorado um pouco mais e não ter desistido tão facilmente. Cordas de recusa me amarram e me prendem a ponto de não conseguir me mover em direção àquilo que está a um palmo do meu nariz. Sempre enxerguei muito bem, mas a timidez fez com que eu criasse um laço forte e duradouro com a covardia. Além do meu medo descabido de ser rejeitado. Esse deve ser o motivo pelo qual sempre me escondo por detrás das cortinas e apenas observo de longe. Prefiro não dar palpites, nem mesmo quando o caso me diz respeito. Prefiro me manter calado e levar as marteladas, apunhaladas e marcar o choro pro quarto numa noite de sexta-feira. Reservo-me no direito de permanecer calado. Parece frase de autoridade, mas é somente a única regra que de fato resolvi seguir em minha vida. 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012



Dia 10.
Felicidade

Eu sempre acabei me fechando para coisas que não deveria. Bati a porta na fuça de quem não merece e fiz cara feia pra quem não tinha culpa de nada. Uma vez desliguei o telefone na cara do rapaz da pizzaria, como se a culpa do meu leite ter derramado no fogão fosse dele. Noutra, culpei a vendedora da loja por não conseguir escolher uma camisa adequada pra festa de aniversário da sexta à noite. De vez em quando eu sou estúpido demais e quase nunca me dou conta disso em tempo de ir lá e me desculpar. A vida começou a me oferecer as coisas desde cedo, mas eu estive sempre ocupado demais. Tapei meus olhos com a tristeza que insisti em incorporar esse papel de moço abandonado e injustiçado. Uma reclamação atrás da outra, sempre culpando um desejo não atendido, um sonho não realizado ou expectativas frustradas. Acho que minha vida sempre se resumiu a isso e acho que a culpa é mais minha do que dela. No fim das contas, pareço criança mimada que não ganhou o brinquedo que queria no Natal. Nunca julguei isso exatamente como certo.
Sempre estive ignorando algo que me faz bem porque sofrer é mais poético. Sempre tive essa queda por poesia e literatura, a felicidade só me proporcionava belos versos quando eu tinha você do outro lado da cama me inspirando com seu sorriso. Depois que você se virou e foi embora, nada me fez tão feliz a ponto de sequer escrever uma frase bonitinha pra postar na internet. Você sabe, eu sou um pobre infeliz como um jegue amarrado. Era inteiramente deprimente, sozinho e trancado na minha própria solidão, até você vir abrindo a janela da minha cozinha e deixando a luz me invadir, enquanto você me invadia também. 
Depois que adulteci, percebi que a felicidade sempre esteve explícita aos meus olhos, mas nunca aceitei como era. Até os 7 anos, eu levantava mais cedo que todo mundo só pra sair pro quintal e ver o sol nascer. Era uma rotina. Quando falhava, parecia que meu dia estava incompleto. Nunca precisei de despertador, já era algo natural. Nunca precisei porque eu era feliz fazendo aquilo. Aos 11 anos, eu saía pra janela todos os dias às 12h54 pra ver uma menina passando. Ela ia pra escola ali do lado da minha casa, passava sozinha puxando sua mochila de rodinhas. Ninguém precisava me lembrar do horário, todos os dias eu estava lá esperando por ela. Ela nunca nem ao menos me deu um oi, mas eu não me importava. E me lembrava que passaria porque eu era feliz estando naquela janela. Com 15 anos, eu jogava basquete com meu avô no quintal da casa dele. Todo fim de tarde de quinta-feira eu ia pra lá e a gente se esbaldava num joguinho bem calmo, já que ele não era mais um menino como eu. Minha mãe nunca precisou me lembrar do meu compromisso, eu já sabia pra onde deveria ir. Quando seu médico o proibiu de se esforçar fisicamente, minha vida ficou um pouquinho mais vazia. Esvaziou porque eu era feliz jogando a bola de um lado pro outro, enquanto ele ria de sua própria falta de habilidade. Aos 23 anos eu ia à biblioteca na esquina da rua de minha faculdade toda semana procurar algo novo pra ler. Eu entrava em um mundo diferente e conhecia gente diferente e ia descobrindo coisas diferentes. Eu poderia ser um herói, um caçador, um viajante apenas folheando livros que eu descobria sozinho. Quando a biblioteca fechou por não conseguir mais manter os custos de manutenção, um pedaço do meu mundo se foi junto. Se foi porque eu era feliz sendo um personagem diferente por semana sem deixar de ser eu mesmo. Aos 25 anos eu conheci uma garota. Ela estava numa livraria no cento da cidade e tinha os olhos tão profundos e misteriosos que me chamavam a desvendá-la todos os dias. E eu buscava desvendá-los todos os dias. Com o tempo, essa garota tornou-se tão essencial que eu mal conseguia imaginar um dia inteiro sem ela. E ela foi se apropriando de minha vida e moldando meus gostos e pegando minhas manias e usando minhas camisas e sendo a pessoa mais incrível que um dia eu poderia ter pensado em conhecer. E a gente foi virando nós, até ela ir embora e se tornar um nó. E eu me vi chorando baixinho no meio da noite de sábado, depois de um dia inteiro de falsas risadas. Chorei porque eu era feliz a tendo do meu lado.
Foi então que eu percebi que a felicidade é algo que não depende unicamente das coisas que possuo ou das pessoas que passeiam por minha vida. Felicidade é o que eu sou usando as coisas que possuo e tendo as pessoas que tenho. Uma vez eu li que felicidade não é questão de ter, é questão de ser. Agora que entendo, concordo. Eu era feliz apreciando o nascer do sol, assim como era feliz vendo aqueles cabelos negros passando por minha janela todo dia. Eu era feliz jogando a bola pra dentro da cesta com meu avô, bem como era feliz te vendo recitar os poemas de Carlos Drummond de Andrade rindo e pulando na minha cama feito criança. E eu acho que era feliz porque, fazendo tais coisas, eu conseguia ser eu mesmo. Eu, o Frederico. Poucas coisas na vida nos proporcionam o encanto de sermos nós mesmos sem qualquer máscara ou disfarce. Hoje eu apenas duvido de tudo e não tenho certeza de nada. Sou um ser infeliz e amargurado. Não me orgulho, mas sou. Posso ter muitas coisas agora, mas não as reconheço como produto de felicidade. Se assim sou, a culpa é da incerteza que carrego tatuada em mim. 

domingo, 14 de outubro de 2012


Dia 9.
De Frederico para todos os Fredericos do mundo

Não é um conto de fadas. Desce dessa sacada, você não é um príncipe! Não tem final feliz. Não é um filme de romance, por isso não tem brigas engraçadas terminadas na cama nem letrinhas subindo com uma música de Coldplay. Não é um livro de Nicholas Sparks, não tem nada desses clichês que todo mundo gostaria de viver. Isso é vida real! E tudo o que todo mundo precisa de vez em quando é esse choque de realidade. Isso machuca, bate, te surra e te deixa no chão pensando o que de errado tem na sua vida. Não segue roteiro, não tem script, você é obrigado a dar a cara a tapa todo dia, paga pra ver, se arriscar, como criança se equilibrando no meio-fio. Mas você não é criança. Você cresceu, se lembra? O medo de arranhar o joelho ao cair de bicicleta se foi na medida em que os anos foram subindo em suas costas, e deram lugar a outros maiores e mais torturantes. Seus escuros tomaram outras definições. Seu medo agora é de ter mais uma porta na cara, mais um não e ser expulso de mais uma vida. A sua criança interior ainda grita por socorro cada vez que você tenta se adequar a algo novo, recusa e você recusa junto. Fraco. Não sabe lutar nem contra o reflexo que diz que você é um merda e sua vida é uma merda e tudo em que você se envolve vira essa mesma merda. Não consegue dizer sim para você mesmo e suas vontades mais ocultas. Ainda carrega aquele medo de desaprovação, quando, na verdade, você é o único com direitos sobre tudo o que faz. Não consegue se manter firme nem na própria presença. E o que vai ser daqui pra frente? Vai continuar abaixando a voz toda vez que alguém fala em um tom mais alto? Vai se curvar cada vez que alguém erguer o nariz? Que tipo de homem é você, afinal? Veio do nada e um nada se tornou. Tão vulnerável que um simples adeus te derrubou, congelou suas pernas e te deixou paralisado a ponto de não conseguir nem ao menos gritar. E, quer saber? Era tudo o que ela precisava. A vida real é complicada e tudo o que fazemos é adicionar ainda mais complicações à ela. Vai continuar parado olhando sua garota correr junto com a vida enquanto você é empurrado? A evolução do homem depende única e exclusivamente dele. Seus caminhos, suas escolhas e suas atitudes são o tipo de coisa que ele tem que decidir sozinho. Você parado não evolui em nada. Nem pra frente nem pra trás. É simplesmente deixado, porque está todo mundo andando e caminhando e enfrentando suas frustrações diárias, mas indo em frente. E você? Bom, você é só um corpo cheio de medo e solidão parado no seu próprio trânsito de dúvidas. De sentimentos. Uma hora você é atropelado. Mas esse é um tipo de atropelamento opcional. 

sábado, 13 de outubro de 2012

Dia 8.
Despedida.

        Hoje, pela primeira vez, me veio tudo o que aconteceu no dia em que você resolveu me deixar. Por tanto tempo evitei essas memórias, dessa vez apenas me deixei levar por elas. E foi tudo se encaixando, como num quebra-cabeça, as cenas em minha mente e o momento mais agoniante de minha vida. Lembrei de tudo. Lembrei que estranhei quando te vi arrumando a mala tão desajeitada, como se tivesse uma pressa absurda em largar pra trás tudo o que construímos com tanto trabalho; desde nossa casa a nosso amor. Estranhei você misturando camisas com calças e roupas íntimas, porque você sempre foi perfeccionista demais pra deixar passar esses detalhes tão abusivos aos olhos. Estranhei quando olhei pra você e percebi uma lágrima descendo até a ponta do seu nariz, porque você nunca chora. Nunca. Intacta e perfeita, você sempre manteve sua pose de fortaleza indestrutível e agora estava ali na minha frente colocando na mala todas as dores guardadas durante seus poucos anos de vida. Estranhei porque não consegui me mover da poltrona pra te agarrar e pedir pra você ficar. Logo eu, sempre tão seu e tão inseguro e tão dependente me mantive imóvel. Noutra situação, seria eu trancando a porta e dando uma de “menino mimado” sem querer te perder; seria eu implorando seu amor e você me mandando crescer um pouco, pois a vida não se resume a amores e tentativas frustradas de ser feliz. Estranhei porque você olhou pra mim com olhos tão molhados e vermelhos que parecia um pedido de socorro de uma menina inocente, coisa que você nunca foi. Estranhei porque você, que sempre foi mais organizada e maníaca por detalhes do que eu, saiu derrubando o abajur que minha avó nos deu e, toda desnorteada, deixou pra trás seu livro preferido de Carlos Drummond de Andrade. Estranho. E estranho tudo isso até hoje. Estranhei você dizendo que eu era um babaca e iria me arrepender de ter me mantido indiferente enquanto você retirava todas as suas coisas, esvaziando seu lado do nosso guarda-roupa enquanto enchia meu coração de dúvidas e apelos silenciosos, porque você não costumava dizer tantas palavras numa única frase. Estranhei porque o silêncio com o qual você me fez conviver por anos se quebrou quando você resolveu por pra fora toda a sua raiva por minha fraqueza e estupidez diante daquela cena deprimente em que eu era o vilão sem coração e você a mocinha implorando por mim e meus cuidados somente com os olhos. Estranhei tudo. De começo ao fim, da primeira à última palavra, do beijo de bom dia ao bater de portas no fim da noite, eu estranhei. E você estava certa, no fim eu me arrependi. Mas, isso eu não estranhei. Porque eu sempre me arrependo e você sempre está certa.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012


Dia 7.
Meu grande homem.

Quando meus avós começaram a namorar, bem naquela época onde pegar na mão era o ápice da liberalidade em um relacionamento, eles namoravam por cartas. As cartas daquela época eram os SMSs da atualidade. Minha avó as guarda até hoje. São pouco mais de 50 cartas e não existem mais porque o namoro não durou muito, logo se casaram. Depois do casamento, as cartas deram lugar aos bilhetinhos surpresa. Meu avô era um romântico nato, todos os dias ele deixava uma flor em cima da mesa e um bilhete um algum lugar estratégico. Às vezes ele era bem simples, mas também sabia surpreender. Minha vó, uma bobinha caída nos braços do moço certinho, se derretia toda com qualquer versinho que ele fazia, porque, por mais clichê e previsível que fosse, ela sabia que era de verdade e amava aquele homem que gastava tempo e tinta todo santo dia pra deixar sua amada mais feliz. Meu avô sempre foi o meu exemplo de homem. Não porque era piegas e cheio de lições, mas porque sabia fazer isso sem ser apelativo ou melodramático. Meu avô era homem de verdade, sem falsas máscaras e eu sempre quis ser como ele. Talvez também porque, na minha cabeça, ser um homem como meu avô me traria uma mulher como a minha avó.
Entrei no quartinho dos fundos depois de duas tentativas de voltar pra sala. Parece drama, mas aquilo realmente me machucava. 1 mês depois de eu me mudar, meus avós vieram me visitar e aquele quarto não era a bagunça que está agora. Era um quarto de guardados, mas, totalmente organizado. - Foi ali que li as cartas que meus avós trocavam e os bilhetinhos. - Meu avô foi meu melhor amigo durante 22 anos e meio. Ele me ensinava tudo. Tudo mesmo. Me ensinou a empinar pipa e a chamar uma garota pra sair. Me ensinou a fazer carrinho de madeira e me ensinou a respeitar os sentimentos de todo mundo. E hoje, ao entrar no quartinho dos fundos pela primeira vez em 5 anos, eu vi o homem que eu tentei ser durante toda a minha vida desmoronar pela primeira vez. Caí, desabei e ajoelhei chorando. Como eu poderia ser tão fraco? Um homem de completos 26 anos estava caído no chão de um quarto escuro porque era menino demais para aceitar que seu avô já se fora há anos e ainda não superara a ausência e a falta que os telefonemas às 19h30 faziam em todos os dias. Parece estupidez, mas é só saudade. Meu avô teve um ataque cardíaco na minha frente, exatamente ali naquele quarto, enquanto ouvia música em sua vitrola enferrujada e eu não pude fazer nada para salvá-lo.
Minha vó até hoje tem tudo guardado. Cartas, cartões, bilhetinhos,  presentes e, principalmente, todas as palavras que meu avô disse. Ela me ajudou a superar tudo quando, na verdade, esse era um papel a ser exercido por mim. Ela o ama todos os dias de sua vida, como se a qualquer momento ainda fosse encontrar um de seus bilhetinhos escondidos pela casa. Ela lava e passa sua camisa preferida toda semana e a coloca no guarda-roupa, como se a qualquer momento ele fosse chegar chamando-a pra sair para dançar. Ela esconde sua dor, mas é perceptível que a saudade a habita e maltrata tanto quanto a mim. A minha vó vive amando meu avô. O meu avô morreu amando a minha avó. Sabe quando dizem que o amor não é eterno e que nada nessa vida dura pra sempre? Bom, se isso for realmente verdade, meus avós são a exceção da regra.
Na bagunça do quarto, ouvindo a trilha sonora do falecimento que achei ao lado da vitrola velha de meu avô, encontrei um dos bilhetes deixados por ele, esse dentro do pote de açúcar:

Sempre que se perguntar se o nosso amor é eterno, lembre-se de que um dia um rapazote bateu na porta do seu pai pedindo sua mão em casamento. Sem trabalho certo, ele apenas queria garantir sua amada. Lembre-se que ele era inseguro e irresponsável, mas tinha certeza de que poderia ser responsável pelo seu coração. Lembre-se de que anos depois, ele ainda te manda recadinhos apaixonados toda manhã pra te lembrar do quanto ele é seu. Lembre-se de que o coração do homem velho continua moço, assim como o amor que ele sente. Um coração apaixonado nunca envelhece, um amor plantado nesse coração nunca morre. Pra sempre serei seu e sempre serás minha. Nosso amor foi eternizado pela nossa juventude interior. Serás minha amada apenas pelo tempo chamado sempre.

Escrevo isso hoje porque completaríamos dois anos de namoro. Você não está aqui. Provavelmente está em casa, lendo um livro ou vendo uma de suas séries de TV. Talvez nem se lembre que essa data é especial pra nós dois, mesmo tento tudo acabado. Mas, eu aguardo. Por você, por nós, eu aguardo. Meus avós me ensinaram que é possível que o pra sempre exista. Se existir, pra sempre esperarei por você.

terça-feira, 9 de outubro de 2012


Dia 6.
Camilinha.

Acordei mais cedo hoje. Ainda tinha que terminar aquele projeto da noite passada que, indiretamente, você não deixou. Queria um banho mais demorado também, algo que me levasse pra fora de mim e me privasse de meus problemas sempre tão constantes. Ainda mantenho aquela viva esperança de que a água quente e corrente arranque tudo o que me é torturante e leve para o ralo, junto com o suor e cansaço. Algumas vezes deu certo. Resolvi sair a pé. Queria olhar a rua, rever os vizinhos, apreciar o dia e tentar respirar algo além do ar-condicionado do carro. Na ida para o escritório, passei por aquela pracinha em que a gente se viu pela segunda vez. Não estranhe, me lembro de cada encontro que tivemos. Casual ou premeditado, eu me lembro. Havia algumas crianças brincando por lá enquanto os pais as olhavam atentos. Aquele cuidado típico de quem se preocupa e tem medo de que algo de ruim aconteça. Você conhece isso muito bem porque é o tipo de cuidado que eu sempre mantive por você. Você sempre foi pequena, baixinha, cabe direitinho no meu abraço, e toda a sua delicadeza natural era algo que me fazia zelar por você como se um simples passo em falso fosse te fazer quebrar por inteira; embora eu sempre soubesse que você não se quebra fácil. Uma das crianças veio correndo em minha direção me chamando de titio e pulou no meu colo. Quase não a reconheço. Parece até inacreditável pra mim, mas quase me esqueci dela... Era uma menininha, ruivinha e sardenta, dona de um sorriso que derrete o coração de qualquer pessoa nesse mundo. A Camilinha, você lembra? Claro que se lembra. A nossa filhinha emprestada. A salvamos uma semana antes de você ir embora. Ela se perdeu da mãe no desfile de 7 de setembro, e você ficou tão comovida com aqueles olhos molhados que rodamos por exatas 2h18min procurando a Dona Carmen. Confesso que pensei em desistir por duas vezes, mas você não deixou, estava realmente empenhada em ajudar uma criança de 8 anos que nem ao menos conhecia. Quando finalmente encontramos, você disse que só aquele sorriso fez valer toda a cansativa caminhada sob o sol escaldante. Você nem sabe, mas essa foi a primeira vez em que eu tive certeza que você era a mulher da minha vida. Abracei, dei um beijo na testa e ela comentou que minha barba estava um pouco maior. Disse que eu estava mais bonito também. Aí ela perguntou de você... Balbuciei um pouco, pensei em não comentar nada e simplesmente mudar de assunto, mas falei que não estávamos mais juntos. Ela fez um biquinho de tristeza exatamente igual ao que você fazia quando estava com manha. Aí ela perguntou se eu ainda te amava. O que uma pequena mente inocente como a dela entendia de amor? Por que essa curiosidade sobre esse assunto? Por que essa pergunta logo agora que meu coração começa a aceitar o fato de não te ter mais? Não achei resposta. O engraçado é que eu nem soube mentir. Assim como você, ela bloqueava isso em mim. Apenas balancei a cabeça positivamente e abaixei os olhos. Ela me abraçou de novo. Suspirou, bem como eu suspirava quando não tinha mais o que dizer. Apertou o abraço. Não pude evitar, soltei um sorrisinho bobo de canto. Há muito ninguém demonstrava tamanho afeto e preocupação com meu discreto sofrimento. Ela, uma criança que virou alguém na minha vida por acaso, já compreendia quando deveria ser mais do que uma pessoa na minha frente e, mais do que isso, sabia a exata hora de virar só braços encobrindo minha dor. Ela parecia mais com um anjo da guarda zelando por um homem barbado que mal sabia se cuidar. Parecia até você... Me despedi dela, disse que tinha que ir embora, já estava realmente atrasado para o trabalho. Ela retardou minha saída segurando minha mão e me mandou abaixar novamente. Olhando nos meus olhos, ela disse as palavras mais incríveis que poderia: “A tia veio aqui semana passada, sabia? Ela parou bem aqui onde você tá. Ela disse que te ama.” Me abraçou pela última vez e voltou correndo para onde estava sua mãe. Foi ser de novo só uma criança feliz no parquinho do bairro. Saí meio zonzo com o que ouvira ainda, olhei pra ela e ela acenava com a mão. Acenei de volta e segui com meu dia. Achei isso tão incrível que meu coração ainda pulsa toda vez que lembro. É certo que ela não sabe disso, mas, suas palavras me fizeram feliz por um dia inteiro. 

domingo, 7 de outubro de 2012


Dia 5.
Última dose de você.

Sinto um calafrio vindo do lado direito do quarto todo dia nessa mesma hora. Essa é só mais uma noite que eu termino sozinho, mas a cada dia vou ficando um pouco mais longe de mim mesmo. O relógio agora já marca 01:30, mas o sono me abandonou por mais uma madrugada. Janela aberta e cortinas balançando. Por menos que queira, essas coisas me distraem. Uma monotonia e calmaria que se tornaram constantes. Fico impressionado como todas essas coisas, por mais simples que sejam, têm a capacidade de mover minha mente de modo que eu me lembre de você e todo o seu jeito torto de ser.
Há duas horas estou com uma folha em branco jogada na mesa tentando projetar uma casa de campo a mando de meu chefe. Há três, o projeto esteve pronto, mas embolei o papel e joguei fora. Inconscientemente, projetei a casa dos nossos sonhos. Você, seu jeito abusivo e único, me movem os pensamentos e me desconcentram de tudo o que tento começar. E isso não se resume à arquitetura.
Essa semana eu senti uma saudade absurda de todas as suas manias toscas e exclusivas. Procurei de todos os modos encontrar um pouco de você em cada canto da casa. Não sei se foi coisa da minha cabeça, mas senti o cheiro do seu shampoo no banheiro e posso jurar que ouvi sua risada vinda da sala, coisa que você fazia com muita frequência. Você ria até do jeito que o peixinho dourado se balançava no aquário. Minhas lembranças não me abandonam nem que eu arranque fora a minha cabeça. Sua mania egoísta de levantar de manhã sem a menor preocupação em me acordar. Pra mim, até hoje, essa era sua maneira de me despertar só pra vir se ajeitando no meu peito logo depois. Sua mania de tentar ser sexy com suas danças esquisitas em cima da cama, fora do ritmo e do compasso e você dizendo que aquilo era só uma de suas técnicas de sedução. Você nem sabe, mas seu melhor jeito de ser sexy era jogada ali mesmo no meu colchão, com minha camisa dos Beatles, o cabelo molhado e a carinha de sono que te fazia parecer a menininha do papai. Sinto saudade até mesmo do jeito que me ignorava quando eu fazia minhas declarações melosas ao pé do seu ouvido enquanto adormecia. Seus acertos e defeitos. Apenas sinto falta.
As cortinas balançando me lembram da leveza e delicadeza com a qual você tratava todo mundo, mesmo que o tempo todo tenha tentado deixar a frieza esconder a verdadeira pessoa que lhe habita. Aquele balançar suave me lembrou de suas mãos passeando em meu rosto e reclamando do tamanho da minha barba. Vez ou outra você me chamou de Raul Seixas e disse que eu era um maluco belezaDiscutimos por uma da noite inteira porque sua teimosia não te deixava aceitar que “Maluco Beleza” era de Caetano e não de Raul. Até esse vento frio me lembra você. Porque naquele dia, no bater de portas e lágrimas no chão, você disse que nunca deveria ter me amado. Acredito que uma faca no meu peito doeria menos do que tais palavras sendo expulsas por sua boca. Você pareceu se arrepender no mesmo instante, mas seu estúpido orgulho não te permitiu pedir desculpas. Você, assim como esse vento incômodo, se apropriou do local como já sendo de casa e me roubou sem chance de escape.
     Já rodei a casa inteira te procurando. De cômodo em cômodo eu olhei. Repeti todo o processo que fiz em todos os dias desde que você me deu o último tchau. Olhei dentro do armário, do guarda-roupa, embaixo da cama, e, dessa vez, até dentro do forno me dei o trabalho. Já faz dois meses que você se foi e eu me recuso a aceitar que tudo tenha ido junto. Seus CDs ao lado dos meus, seus sonhos compartilhados comigo, seus pensamentos me confundindo. É como se você fosse um remédio que tomei por muito tempo e agora, logo agora, o médico fez o favor de mandar parar. No momento em que mais preciso, o remédio foi vedado de minha receita. E o médico, bom, o médico nem ao menos sabe. Viciei. Não consigo parar. Ainda preciso de um pouco mais. Mais uma dose do remédio. Só mais um pequena dose. Só mais uma de você.