segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Dia 19.
Até que ponto vale a pena ser você?

É engraçado como que com o passar do tempo as coisas vão se mostrando como realmente são. As coisas e as pessoas. Me pergunto até que ponto é bom ser bom, visto que as consequências para quem busca fazer o certo sem machucar os outros são sempre as piores. Até nos filmes e novelas que em seus finais que deveriam trazer uma lição de moral mostrando que o bem sempre compensa, começam a mudar o roteiro.
Eu passei a vida me fechando ao amor por medo de machucar alguém como meu pai machucou a minha mãe. Ver minha mãe chorando no quarto me fez prometer a mim mesmo nunca magoar mulher nenhuma na vida. Passei tanto tempo me escondendo atrás das árvores porque sempre foi mais confortável apenas ver a menina bonita passar ao invés de desejá-la boa tarde. Um cumprimento gera conversa, que gera amizade, que gera sentimento, daqui a pouco estamos saindo, namorando, morando juntos... Não. É melhor ficar à sombra observando-a se afastar e só sair do meu lugar quando não houver mais riscos de envolvimento. Parece paranoia para um homem de quase trinta anos, mas não é paranoia para um homem de quase trinta anos que entregou seu coração uma única vez e o recebeu em partes.
Ao ver minha mãe sofrendo pelos cantos, se escondendo pra parecer forte pra nós, eu me perguntava qual a vantagem de ser homem se nem de sua própria mulher se consegue cuidar. Mas no fim eu descobri que o problema não é ser homem, o problema é ser completamente vazio de sentimentos e não se importar com quem se importa com você. Até que ponto é bom caminhar como se estivesse pisando em ovos para que a outra pessoa, a pessoa com quem você se importa, a sua pessoa, não caia e se machuque? Até que ponto é bom medir as palavras para não ser mal interpretado e magoar o outro? Até que ponto é bom mostrar-se interessado, querer saber do dia, do trabalho, da faculdade, lembrar de datas, de dias, de minutos que podem até passar despercebidos, mas que são importantes para quem ama? Até que ponto é bom sacrificar seu coração para salvar o do outro? Eu não sei dizer. Eu não sei nem se é bom.
O amor pode ser cruel com a gente, nos fazendo repensar a vida inteira, desde criança, para tentar encontrar o pecado mortal que cometeu para merecer uma dor tão invisível e aguda. A gente para e não encontra porque na verdade nunca cometeu erro algum. “É a vida”, eles dizem. É a vida que tá aí pra nos derrubar no chão e não oferecer a mão para levantar. É para a vida que devemos oferecer a outra face e levar o tanto de porrada que ela quiser dar, porque é a vida, ela tem direito. Não adiantar cruzar os dedos, ajoelhar no milho, fazer promessa, consultar horóscopo nem rezar para todos os santos do catecismo. Quando a vida quer que seja, é; mas se ela quiser que não seja, sinto muito, já era. E se você teima em não deixar pra lá, vem a vida e te castiga com um soco no estômago. Se ainda assim você quer lutar, ela te dá uma rasteira pra te jogar longe de seu objetivo. A vida não aceita ser contrariada. 
Chega um momento que as lágrimas secam e o choro cessa. Mas até lá a força que, sabe-se lá de onde a gente é obrigado a tirar, tem que existir. É duro, é doído. Ver a sua pessoa com outra pessoa. Saber que, mesmo com todos os cuidados e esforços para que desse certo, ela simplesmente preferiu algo mais simples do que a sua complexidade. E dói lembrar que todo mundo sempre vai embora por não conseguir lidar com a sua complexidade. Até que ponto é bom contrariar a si mesmo só pra fazer a felicidade de outra pessoa? O amor não vale à pena se não houver sacrifício, mas os sacrifícios não valem à pena quando não reconhecidos. Até que ponto é bom ser diferente? Não ser só mais um cara de barba que tem pose de macho e passa horas na academia pra impressionar as menininhas? Um cara que realmente leu os livros que diz que leu, que viu os filmes que diz que assistiu, que malha na biblioteca e que pode recitar sua poesia preferida de trás pra frente só pra te ver sorrindo pra ele. Até que ponto é bom fingir que isso não te machuca quando na verdade você só quer se enfiar em um buraco e chorar alto? Até que ponto é bom bancar o homem forte que não sente dor ao ver a única pessoa que amou de verdade saindo pela sua porta da frente sem nem vacilar em olhar pra trás? Até que ponto é bom entregar-se ao amor?

Todo mundo sabe que é mais fácil com uma pessoa mais fácil, e isso é compreensível. Não dá pra mudar o que você é, se tornar um produto genérico para agradar e esquecer-se do você que só você conhecia. As pessoas se afastam com medo dos monstros que escondemos dentro do armário e isso também é compreensível. Mas, se quer saber de uma coisa, não importa quem vai embora cansado de você e de seus modos, usando das dificuldades para ser covarde. Importa é quem fica do seu lado apesar de qualquer coisa.  

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Dia 18
Amar 

Amores que me tiraram o fôlego eu tive aos montes. Amores que me fizeram ficar acordada uma noite inteira de tanta felicidade, eu também tive. Amores que me fizeram planejar até os nomes dos filhos, o ano do nascimento, a diferença de idade entre um e outro, tive também. Amores que me prometeram céu e terra, que me fizeram chorar de emoção, que me fizeram me sentir o melhor homem do mundo, tive. O que nunca tive foi um amor que perdesse o fôlego ao me ver. Nunca tive um amor que me mandasse mensagens bobas no meio da noite porque tava pensando em mim e não conseguia dormir. Nunca tive um amor que sentasse comigo e dissesse que os nomes dos filhos era por minha conta, mas ele daria a decisão final. Nunca tive um amor que se sentisse a melhor mulher do mundo só pelo fato de ter me conquistado. 
As pessoas que eu amei, só amaram uma metade de mim, ou talvez nem isso. É muito fácil amar o lado bom de alguém. Amar o gosto musical, as ligações no meio do dia, o jeito de se portar e vestir, o carinho com que trata os outros. Difícil é manter o amor firme quando vê sua pessoa ouvindo um tipo de música que você simplesmente despreza. É não perder um pouquinho do amor cada vez que sua pessoa promete ligar mas se esquece e ainda inventa mil e uma desculpas pra se justificar. Difícil é amar a pessoa ao vê-la acordando sem maquiagem, sem roupas de grife, toda descabelada e de pijama, tendo a certeza de que é com essa imagem que você quer acordar por todos os dias de sua vida. Amar é saber que a pessoa está errada e mesmo assim não se esquivar, não deixar amolecer, é estar pronto pra corrigi-la com a certeza de que isso não afetará o amor. Amar é se lembrar das pequenas coisas boas e se esquecer das grandes coisas ruins. Perdoar os atrasos, as falhas, as indecisões, porque amor também é perdão.
Amores que fazem feliz nos dias de sol são encontrados em cada esquina que se vira. O difícil é encontrar um amor que, não fará seu dia nublado clarear, mas tornará as nuvens a coisa importante do mundo só porque vocês estão juntos. Amar é vencer as dificuldades por valer a pena. É se distanciar quando necessário e grudar quando for preciso. É se mostrar presente em todos os momentos e se mostrar feliz, porque amar é felicidade. É bater o pé quando o outro quer esmorecer e não largar a mão. Amar às vezes é sacrificar muita coisa só pra poder simplesmente amar. 

domingo, 11 de agosto de 2013

Dia 17
Pai

As coisas significam mais do que aparentam. Para cada tapa na bunda existiu um empurrão no balança de pneu. Para cada dia ausente existiu um afago no fim da noite. Para cada despedida fria existiu uma chegada surpresa. Para cada noite de saudade existiu uma manhã no parquinho da praça. A vida aparenta mais do que significa. Para cada telefonema demorado existiu uma ausência na peça da escola. Para cada curativo depois da queda existiu uma palavra dita na hora errada. Para cada recado na escrivaninha existiu uma carta sem resposta. O amadurecimento exige da gente mais do que os livros nos contam.
Mas não importavam as quedas da bicicleta desde que você estivesse na calçada de casa me mandando levantar. E não importava chegar tarde do trabalho porque eu sabia que você passaria no meu quarto pra dar um beijo de boa noite. E não importavam os ciúmes quando você dava “carinho especial” pra alguém porque eu me jogava no chão pedindo atenção e você vinha correndo. Não importavam quantos telefonemas você não atendia porque você sempre ligava de volta com mil histórias para se desculpar e eu acreditava, mesmo sabendo que no fundo você só se esqueceu de ligar. Não importava quantos presentes você trazia no meu aniversário porque você nunca acertava o que eu queria e eu só queria você por mais meia hora. Não importava pra mim se repreendido por ter tirado nota baixa em matemática porque o que importava pra mim era que alguém se importava com o que eu fazia. Nunca me importou você trabalhar demais nem ir embora cedo demais porque eu sabia que você ia voltar.
No fim das coisas tudo se resume em dois lados e a gente só tem que escolher um. Tudo na vida tem pelo menos duas opções. Tudo na vida tem o lado bom e o lado ruim. Tudo pode ser isso ou aquilo ou talvez até aquilo outro. Mas no fim, no fim de tudo, é a gente quem escolhe o que vai seguir. Poderia ter escolhido o cara que se esgotou trabalhando e se esqueceu de algumas datas importantes, o diretor executivo de terno e gravata que não podia jogar bola naquele horário porque tinha reunião na empresa, o homem que perdeu muito por ser obcecado por coisas que no fundo nem tinham tanta importância assim. Mas eu pulei pro lado de lá. Escolhi o cara legal que me ensinou a nadar e a cuspir à distância. O cara que me ensinou a pagar o sorvete da menina que gostava e sempre respeitá-la antes de tudo. Escolhi o herói, o superman, homem de aço, o curador de todas as dores. Escolhi o homem que me ensinou a ser homem e me orgulhou de ser homem. Escolhi o meu pai.


Feliz dia dos pais! 

sábado, 20 de abril de 2013


Dia 16
Eu Poderia Ter Você

Eu poderia ter voltado atrás na última briga. Segurado pelo braço, pelos cabelos, pela perna, me jogado aos seus pés, meio exagerado. Eu poderia ter ligado às 03h54 quando o arrependimento me bateu como um soco na cara e tudo o que eu falei começou a me doer como doeu em você. Poderia ter engolido o orgulho junto com todo o álcool que ingeri sem pausas até cair no sono e corrido. Eu poderia ter mandado flores, chocolate, um carro de som, um avião com faixas pedindo desculpas. Poderia dormir na sua varanda, na chuva, no frio, esperar amanhecer e levantar um micro system na sua janela insistindo que você me ouvisse por mais 5 minutos. Eu poderia ser menos orgulhoso, menos carrancudo. Ouvir mais, falar menos, mostrar mais.
Eu poderia não te fazer chorar, não te fazer desejar nunca ter me conhecido e não te fazer se prometer que “essa é a última noite”. Eu poderia correr contra o mundo, ir ao seu encontro, parar um aeroporto com uma declaração e te pedir que, por favor, fique por mais um dia. Poderia estudar, me empenhar, trabalhar, e fazer com que você não tenha remorso por amar um joão ninguém viciado em cigarros e vinhos. Eu poderia mudar de rumo, escolher um time pra torcer, um livro favorito e um filme pro domingo. Ligar pra alguns amigos, tomar uma cerveja no fim de semana, ter ex-namoradas, lugares preferidos, fotos de viagens. Ser normal.
Eu poderia me programar, não faltar aos compromissos, chegar no horário, avisar do atraso, lembrar do aniversário de sua mãe, saber o nome de sua melhor amiga e conhecer sua família. Poderia ser clichê,  citar sua poesia favorita na cama, te levar a um show, ao cinema, ao teatro. Cantar desafinado, calcular as palavras, fazer o café, ser menos confuso, não te mandar embora ao amanhecer, te oferecer um abrigo, um amigo, um alguém. Eu poderia ser menino e brincar de vez em quando, ser homem e te puxar pra perto quando fosse fugir, ser maduro e não te deixar ter vontade de fugir. Ser paciente, namorado, amante, marido. Eu poderia ser melhor, ser maior, ser orgulho. E gostaria de ser. Alguém que sabe amar sem machucar, que mereça esse seu olhar, que não tenha medo de se entregar. Alguém que mereça ter você.  

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013


Dia 14.
De Repente

Você acorda cedo cinco dias por semana. Toma a mesma quantidade de café e sai dando um beijo de despedida em sua esposa. Dá uma carona pra sua filha até a escola. Trabalha até tarde pelo menos três desses cinco dias. Janta pizza duas vezes por semana. No sábado, você leva sua filha pro clube enquanto sua mulher dedica um tempo a si mesma no salão de beleza. No domingo joga futebol com os amigos da faculdade e visita seus pais na cidade vizinha.
De repente tudo muda de lugar. Vira de ponta cabeça. Dá a volta e revolta. Seus cabelos estão voando contra o vento porque você passa a remar contra a maré. Sua mulher está grávida, é um menino. Você começa a trabalhar um pouco mais para garantir o conforto de mais um sem abrir mão dos demais. Seus dias até tarde no trabalho passam a ser todos os da semana. Você passou a trabalhar no sábado também e não leva mais sua filha ao clube, ela agora vai com a mãe da melhor amiga. Seu filho nasceu com problema respiratório e terá de ser tratado. Você gasta e tem que repor esse dinheiro. Você não repara que não dá mais atenção à sua filha. Você passa a trabalhar em casa também. Sua mulher implora por atenção. Você não reparou que ela chora de vez em quando. Seu filho aprendeu a andar, a falar, mas você não consegue acompanhar. Sua filha agora vive na casa das amigas, mas você tá ocupado demais pra perceber. Sua mulher agora chora todos os dias porque tem que lidar com tudo sozinha.
De repente sua vida tomou rumos nunca antes calculados. Você se encontra na porta do Café em que você ia com seu avô aos domingos, mas está indo lá agora porque não vai dar tempo chegar em casa pro almoço. Você não se lembra que ele contou que nesse Café pediu a sua vó em casamento nem lembra que, seguindo o exemplo, aí você pediu a filha da vizinha em namoro, que agora é sua esposa. Você nem percebe que seus modos mudaram e seus costumes se transformaram. Aquela sua mania de pentear os cabelos pra trás deu lugar ao corte baixo e estilo despenteado porque é muito mais prático. Você não carrega mais a foto da sua família na carteira porque desde que seu trabalho triplicou você é obrigado a carregar diversos cartões de clientes e a foto tomava muito espaço. Você não percebeu que sua mulher guardou o porta-retratos da sala na gaveta há meses porque você não se dá mais o trabalho de observar como ela estava linda no dia de seu casamento. Você não percebeu que sua filha começou a namorar um menino quase 10 anos mais velho e que a comida está com menos sal desde que sua esposa descobriu a pressão alta porque você não para mais pra comer em casa e nem notou os exames que ela deixou propositalmente em cima da cama. De repente seus olhos andam vermelhos porque o trabalho tem tomado o seu horário de sono. Sua imagem no espelho reflete o homem velho e cansado que você sempre temeu ser. Seu pijama preferido ficou abandonado no guarda-roupa porque não há mais tempo de se vestir para dormir. Seus caminhos começam a te levar para um lugar onde você se transforma naquilo que sempre desprezou. Seu filho demonstra rebeldia a cada dia que passa e sua filha namora como adulta. Sua mulher chora nitidamente, você nota, mas finge que não. Não tem tempo pra isso.
De repente você não se lembra mais qual foi a última música que ouviu prestando atenção, tudo ficou maquinado e automático, inclusive aquilo que lhe agrada. Você volta atrás em suas promessas e passa a tratar com grosseria qualquer um que atrase seus planos. Você brigou com seu filho quando ele ofereceu ajuda em seu trabalho. Você demitiu sua secretária porque ela te atrapalhou lembrando do seu aniversário de casamento. Você brigou com seus pais porque eles te ligaram cobrando uma visita que não acontecia há anos. Você ignorou o pedido de viagem de férias de sua filha. Você banca o idiota com tudo e todos, porque você é o dono da razão e ninguém tem o direito de discordar. De repente sua mulher pede o divórcio e você a acusa de ter um amante e de abandoná-lo em seu momento de necessidade, quando você nem ao menos olhou pro lado pra ver quem realmente precisava de ajuda. Você ignorou todos os pedidos de socorro porque no seu mundo não cabe fraquezas. Você deu seu sangue no trabalho pra dar o notebook de última geração de presente de 15 anos pra sua filha e não percebeu que o que ela queria era que você largasse os papéis por 10 minutos pra dançar valsa com ela na sua festa de debutante. Sua mulher saiu de casa. Os documentos do divórcio ficaram em cima da mesa do escritório, a única maneira de você os encontrar. Você os jogou fora. Você os rasgou. Você tá chorando como se o mundo estive a ponto do fim. Parece que seu chão está desabando sob seus pés. Você não quer perder sua família. Tudo o que fez foi para o bem de todos, você repete isso em voz alta como se uma força maior fosse te ouvir e puxar todos de volta a você. Você tá ajoelhado no chão do escritório implorando por ajuda. Você parece mais humano agora.
De repente você tá na mesa do bar mais vagabundo do bairro se embebedando sem saber o que fazer daí pra frente. Você não compareceu à audiência e perdeu a guarda das crianças. Sua ex-mulher está namorando com um amigo de infância. Sua filha tá grávida aos 16. Seu filho tá chorando na porta de sua casa. Você falta ao trabalho por três dias seguidos. Você perde o emprego. Você perde as rédeas da própria vida. Você perde o caminho. Você não se reconhece. Você não se lembra de quando sua vida começou a acabar.
De repente você percebe que o mundo deu tantas voltas que você sente náuseas cada vez que olha pra cima. Você parece tentar se reerguer. Você conseguiu um novo trabalho. Você visita seus filhos uma vez por semana. Você reparou o quanto sua ex-mulher ficou bonita com o novo corte de cabelo. Você percebeu que sua filha tá sorrindo com um bebê no colo, mas você não se lembra do nome dele porque nunca se deu o trabalho de perguntar. Você percebeu que ainda dá tempo de alguma coisa ser feita. Você passa a andar de bicicleta com seu filho, pega seu neto no colo pela primeira vez, elogia o modo como sua filhinha cresceu, elogia sua ex-mulher, age como um homem. Mas você ainda chora e chora nos ombros de seu filho caçula. Você sente saudade de sua família. Você sente saudade da sua vida. Mas não dá mais pra voltar. A vida de todo mundo continuou, a sua deve ser do mesmo modo. É o curso natural da coisa. Você perdeu muita coisa por conta de seus erros. A única coisa que você não perdeu na vida, é o meu orgulho ao te chamar de pai.  

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012


Dia 13.
Primeiro encontro.

Hoje almocei naquela lanchonete onde marcamos nosso primeiro encontro. O tempo anda tão corrido pra mim que não consigo chegar em casa com calma, comer feijão e arroz e voltar pro trabalho. Paro na primeira esquina que vende algo que me mantenha em pé e como, isso quando consigo sair do escritório. Não é reclamação, os projetos que tenho feito andam me rendendo belas comissões, já pensei até em trocar o carro e alguns móveis da casa. Entrei, fiz o mesmo pedido daquele dia. Ali, naquele balcão, combinamos de sair na semana seguinte. Depois de umas 3 semanas conversando, eu te chamei pra sair. Depois de mais 3 semanas insistindo, você aceitou. A gente foi no restaurante português do centro, depois saímos pra apreciar a noite que, por sinal, se mostrava a mais linda de todas. Você era a mais curiosa dos seres.

                    O que você pretende depois que concluir a faculdade?
                    Trabalhar, né?
                    Não... Eu digo, você vai continuar aqui ou quer ir embora pra, sei lá, Paris, por exemplo?
                    Não sei. Mas eu não iria pra Paris.
                    Por quê? Paris é linda...
                    Não sei se seria o lugar apropriado pra um arquiteto recém-formado.
                    Verdade... Ficar, então?
                    Acho que sim. Tudo depende, sabe? Já pensei em voltar pra minha cidade, mas não sei se é exatamente o que quero. Me acostumei aqui. Acho que só preciso de um motivo a mais pra ficar de uma vez.
                    E que motivo seria esse?
                    Sabe... Há quase dois meses eu conheci uma garota numa livraria e...
                    Para!
                    Dá pra me deixar ser romântico?
                    Não.
                    Não preciso de sua autorização mesmo.
                    Tô falando sério.
                    Eu também tô.
                    Você ficaria aqui por mim?
                    Não. Por você não. Ficaria por nós dois.
                    Olha, Fred...
                    Tô olhando.
                    Eu não quero fazer isso.
                    Isso o que?
                    Isso. Jantar, passeio, mãos dadas, beijos...
                    Mas a gente nem se beijou ainda.
                    Posso terminar?
                    Se você não for ser muito chata, pode.
                    Daqui a pouco eu vou pra sua casa, a gente dorme junto e ...
                    Tá querendo ir dormir comigo, é? Mas que rápida você!
                    Fred...
                    Desculpa. Termina.
                    E em um mês já estamos dividindo a gaveta do banheiro. É isso que eu não quero.
                    Eu posso colocar uma gaveta só pra você no banheiro, então.
                    Não é a gaveta.
                    Quer um banheiro separado?
                    Não quero me envolver.
                    A gente não precisa se envolver... Você vai lá pra casa, a gente dorme junto e amanhã eu esqueço que você existe. Não precisa nem me dar seu telefone.
                    Nem tenta porque você não faz o tipo cafajeste. E você já tem meu telefone.
                    Você só me conhece há algumas semanas, como pode saber que não sou um cafajeste querendo te usar?
                    Já conheço o suficiente.
                    Não aposte nisso.
                    Que seja. Você não iria me esquecer assim.
                    Tá se achando inesquecível, é? Pera lá, mocinha...
                    Eu não costumo ser dessas garotas fofas e gentis o tempo todo. Na verdade quase nunca. Eu leio muito romance mas nada disso nunca me atingiu. A busca por uma carreira profissional, por exemplo, é maior que a espera do homem perfeito. Não. A minha vida nunca se resumiu a romances de banca de jornal, eu não sou assim. E você é legal demais. Meu Deus, eu nunca saí com um cara como você e você mostra nos seus olhos a estabilidade que procura e eu sou instável demais pra te prender a mim. Seria injusto porque eu sei como vai terminar e eu sei que no fim eu vou estragar tudo cedo demais.
                    Mas a gente só jantou.
                    E você tentou caminhar de mãos dadas comigo três vezes.
                    É legal.
                    Mas não... Para.
                    A gente não precisa andar de mão dada, então.
                    Eu não me apaixono, Fred. Nunca aconteceu. Eu sou fria. Olha, eu não presto!
                    Geralmente as mulheres dizem isso pros caras quando levam um fora e tal, você tá meio que trocando os papéis.
                    Eu não levo fora também.
                    Ah, senhorita dona da verdade, então eu vou te dar um fora agora. Não quero mais sair com você!
                    Deixa de ser ridículo!
                    Eu não tô sendo ridículo. Você não acha que vai estragar tudo? Ótimo, eu acredito. Tá tudo acabado aqui.
                    Esse fora não conta porque a gente não tem nada.
                    A gente jantou, minha filha. Tu é chata pra caralho, nunca mais quero te ver na minha frente.
                    Então eu sou chata? Pelo menos não sou uma boba apaixonada que sai por aí querendo caminhar abraçada com uma pessoa que conheci numa livraria.
                    Nem eu. Era tudo encenação. Na verdade desde o começo eu só queria te levar pra cama porque você tem uma bunda legal.
                    Nossa, olhou pra minha bunda, Dom Casmurro?
                    Lógico. Ou você acha que te chamei pra sair porque te vi lendo em um shopping lotado sexta à noite?
                    Você não era há 10 minutos o cara romântico em busca do par perfeito?
                    Já achei meu par perfeito.
                    Nem chega perto de mim.
                    Você não manda em minhas pernas.
                    Se der mais um passo eu grito.
                    Então grita.
                    SOCOR... – Te interrompi com um beijo. O segundo foi você quem deu. E a gente foi pra minha casa. E em um mês estávamos dividindo a gaveta do banheiro. Porque eu venci a maior guerra - contra mim e contra você - só pra te ganhar. E tudo o que eu sempre quis foi te carregar nos meus braços até a cama, como fiz na noite em que você estudou até tarde. Mas aí você se deu conta que tinha se envolvido e que quebrara uma promessa que não deveria ser quebrada. Foi aí que você bateu a primeira porta na minha cara.
Saí da lanchonete e vi um casal de velhinhos brigando. O senhor deu as costas e foi pra direção contrária que a senhora que o acompanhava. Ele foi até a floricultura e comprou uma única rosa. Depois, mesmo naquela idade, saiu correndo atrás dela. Hoje eu penso que era exatamente isso que deveria ter feito quando você arrumou sua mala pra voltar pra casa de seu pais. Eu deveria ter corrido atrás. Mas sou cansado demais. Ou acomodado demais. Só sei que não aprendi a ir atrás de coisa alguma. 

terça-feira, 20 de novembro de 2012


Dia 12.
Existe vida sem você, só não aprendi a viver.

Ainda acordo cedo todos os dias. Minha barba cresceu, meu cabelo também. Continuo com problemas pra dormir com barulhos de trovões. Abriu uma padaria nova na esquina, fui lá algumas vezes atrás de uns sonhos, mas só achei daqueles recheados. Inauguraram um restaurante grego a cinco quadras daqui, a crítica no jornal é positiva. Parei de tomar coca-cola, diminuí o açúcar e sal e aprendi a comer salada. Bem, isso foi há umas três semanas. No domingo, voltei a tomar coca-cola, comprei alguns chocolates e joguei tudo que tinha de folha da geladeira no lixo. Conheci algumas pessoas novas. Contrataram uns estagiários na empresa e a mulher do cafezinho mudou. Saí com algumas mulheres. Loira, morena, ruiva, grande, pequena, fã de Beatles e de Luan Santana. Trouxe todas aqui. Experimentei comida diferente, viajei pelas cidades da região que ainda não conhecia. Rodei pela cidade inteira de bicicleta, descobri uma livraria nova em um bairro que nem sabia que existia e uma lanchonete que vende a melhor torta de coco que eu já comi.
Fui ao cinema, fui ao teatro, fui à faculdade onde me formei, visitei uns velhos amigos, reli cartas, bilhetes, ouvi músicas antigas, comprei uma camisa nova, panelas e arrumei a casa. Fiz a barba, cortei o cabelo, usei um perfume diferente, fui ao cinema com a moça da lanchonete que vende torta de coco, comprei um livro novo, um CD novo, fones novos e fiz um projeto novo pro trabalho. Conversei com a moça do cafezinho, peguei seu telefone, fui com ela ao restaurante grego que abriu, comprei coca-cola, chocolate e voltei ao trabalho sorridente. Vi você passeando de mão dada com o carinha musculoso da faculdade.
Deixei a barba crescer, o cabelo crescer, a casa ficou bagunçada de novo. Nesse tempo deve ter aberto uns 50 restaurantes novos pelas esquinas do meu bairro, mas eu só caminho olhando pro chão que é pra evitar ver algo que posso me socar o estômago e arder os olhos. De vez em quando tem chamadas perdidas da moça da lanchonete, da moça da livraria e a moça do cafezinho manda recados todos os dias pela secretária do meu chefe. Não consigo responder a ninguém. 
A vida seguiu e eu tentei acompanhar. As coisas mudaram, pessoas passaram, vieram, foram, ficaram, voltaram. Conheci gente, desconheci gente e reconheci gente. Eu tento caminhar a favor da maré, tento me adaptar, tentei até virar o homem responsável que toda mulher gostaria de ter. É complicado. Você sabe. Esse negócio de ser eu é complicado. Não adianta eu tentar mudar todos os meus estúpidos hábitos porque basta ver seu sorriso do outro lado da rua que meus planos de crescer parecem ridículos demais. Parece até que eu não sei mais viver sem seu olhar de aprovação. 
Quantas mudanças eu terei que fazer até conseguir não me questionar se você vai gostar, mesmo sabendo que agora você tá pouco se lixando se minha vida corre bem ou mal? Quantos amigos eu preciso rever até perceber que você não é a única que me entende, mesmo sabendo que é? Quantas vidas preciso (re)inventar até descobrir que você não é a parte mais importante dela, mesmo claramente sendo? Quantas mulheres eu terei que trazer para minha cama até conseguir arrancar seu cheiro do meu travesseiro?

segunda-feira, 12 de novembro de 2012


Hoje não é o Frederico.

Hoje o blog chegou a sua marca de 700 visitas (708, pra ser exata), nesse 1 mês e 11 dias de existência. Venho agradecer a todos pela paciência com os enigmas frederiquianos e agradeço pelo carinho com o qual o trata. Quem me acompanha escrevendo de perto, sabe o quão especial esse espaço é pra mim.
Não pretendia em momento algum falar nada sobre visualizações ou coisas do tipo, sempre quis manter isso em anônimo para não parecer que eu estivesse querendo usar números parar atrair mais números. Minha ideia sempre foi atrair leitores, gente que lê por puro prazer. Mas hoje, algo inusitado me aconteceu. Recebi minha primeira crítica negativa. Já esperava por uma, pra ser sincera, acho que demorou até demais. Porém, o que veio hoje, não se pode nem chamar de crítica. Hoje eu ouvi que o Diário de Frederico é uma "viadagem".
Bom, nunca coloquei arma na cabeça de ninguém nem sequestrei a mãe, ameacei a família, ofereci dinheiro, coagi, muito menos disse que meu blog era uma obra de arte inigualável que merecia ser o centro das atenções, paguei, dei brindes, ofereci sorvete grátis, e disse todos eram obrigados a ler e acompanhar. Ninguém é obrigado a clicar nos links que posto. Existe um x em toda aba de qualquer navegador que fecha uma página que já não é desejada. O engraçado disso tudo é que quem disse que o Diário é uma viadagem, é justamente o carinha que gosta de vestir roupinha de marca, falar palavrão escondido dos pais e gritar pra meio mundo o quão fodão é. Vive a vida sorrindo da desgraça dos outros e humilhando quem aparece em sua frente. O que tenho a dizer é que comentários desprezíveis como esse, apenas ganham o que lhes é de direito: desprezo. Bem como quem os faz.
Se o fodão se gaba por aí por usar termos ofensivos sobre as escritas alheias, ou seja lá o que for que qualquer pessoa faça na vida, me desculpe, mas ser fodão é a coisa mais ridícula que já vi. O Diário poderia lhe servir para alguma coisa, algo tipo saber diferenciar um verbo no infinitivo de um no pretérito, e você parar de dizer por aí que "eu confundir as coisas". Aprender a escrever poderia lhe ajudar a se expressar melhor, e lhe ensinar que viadagem não cabe dentro desse blog. Meu amigo, críticas eu aceito. Petulância não.
No mais, agradeço a quem acompanha o Frederico, agradeço a quem me pede para avisar quando sai post novo, a quem compartilha o link, quem curte ou simplesmente quem lê anonimamente. Sim, esse número é importante pra mim. Significa que eu estou conseguindo alcançar um punhadinho de gente que seja com minhas palavras. Agradeço a vocês que colaboraram com as 700 visitas. Muito obrigada! O Frederico agradece.

Paula Lago

quarta-feira, 7 de novembro de 2012


Dia 11.
Um homem de guardados.

Preservo-me no meu íntimo. Vezenquando me pego me questionado o quão fundo pode ser o íntimo de um homem e quantas histórias podem caber na escuridão na qual ele acaba se tornando. Vezenquando me sufoco, me afogo, mas volto às extremidades sozinho. Sempre fui uma caixa chaveada. Meu âmago é o desconhecido. Sou assim desde que me entendo por gente.
Quando criança, minha mãe me arrumava no domingo de manhã com a melhor roupinha do armário e penteava meu cabelo partido de lado. Ela passava uma pasta pra ele se ajeitar, não sei o que era, mas não ficava um fiozinho solto. Sempre tive curiosidade de saber pra que todo aquele capricho num domingo quente, mas nunca tive coragem de perguntar. A única coisa que eu sabia é que a gente estava indo à casa do papai-do-céu, porque era o que ela se dedicava a me dizer. Minha timidez sempre foi algo que passava por cima de mim, nunca a controlei nem mesmo em casa. Esse deve ser o motivo pelo qual eu sempre guardo minhas dúvidas e desejos insanos. Nunca fui de loucuras.
No caminho pra o tal lugar no domingo de manhã, minha mãe repetia cerca de 10 vezes que eu não poderia me comportar mal. Honestamente, não entendia. Eu era o mais quieto da família, falava pouquíssimas palavras e minha mãe achava que eu faria bagunça. Nunca me permiti insanidades – atravessar a rua sem segurar na mão de alguém teoricamente responsável era insanidade - nem na vida nem em nada. Na única vez que fiz uma loucura, saí quebrado a ponto de perceber que estive certo em me manter sossegado durante toda a vida. Chegávamos a uma casinha quase sem cômodos com uma cruz em seu topo. Aquilo tudo era tão estranho, por que teria uma cruz na casa de alguém? Mas nunca perguntei nada, muito menos comentei. Era meu dever me manter quieto e guardar minhas dúvidas, a timidez me impunha isso. Bem como me causou os choros mais abafados de minha vida, bem como me manteve distante do que de certo me machucaria, bem como me manteve longe do que supostamente poderia ser minha felicidade.
Quando me sentava em um daqueles bancos de madeira e via um homem de vestido lá na frente dizendo verdades nas quais acreditava, eu tinha vontade de perguntar a minha mãe o porquê de nós o ouvirmos e seguir aqueles conselhos. Mas não era meu direito. Não porque ela me dizia isso, eu já havia maquinado em minha mente que eu, em minha humilde pequenez de criança, não dispunha de direito de questionar nada. A única coisa que fazia, era me mandar juntar as mãozinhas e dizer amém, sem nem ao menos saber do que se tratava. Nunca murmurei nem reclamei ou sussurrei quaisquer palavras de desapontamento, sempre guardei tudo pra mim. E isso não se resume às idas às missas de domingo. Lembro bem do dia em que cortei o braço no arame farpado do sítio de meu avô. Fiquei horas morrendo de dor, mas não disse a ninguém. Sempre que me perguntavam, eu dizia que estava bem, mesmo com olhos pegando fogo na vontade de chorar. Chorava. Mas só chorava depois que todos saíam e eu me sentia na única companhia em que confiava, a minha própria. Sempre fui mais eu quando todos iam embora. É como se eu usasse uma máscara para cada aparição e ela caísse involuntariamente quando minha única companhia era minha sombra cansada de seguir meus passos. O cansaço de meus pés reflete notoriamente em minhas costas. Ando corcunda com tamanho peso que carrego. Silêncios pesam e, por escolha própria, fui usado durante toda uma vida como burro de carga de palavras não ditas. Sufoco-me a cada vez que lembro que caberia algo mais e poderia ter dito um pouco mais, implorado um pouco mais e não ter desistido tão facilmente. Cordas de recusa me amarram e me prendem a ponto de não conseguir me mover em direção àquilo que está a um palmo do meu nariz. Sempre enxerguei muito bem, mas a timidez fez com que eu criasse um laço forte e duradouro com a covardia. Além do meu medo descabido de ser rejeitado. Esse deve ser o motivo pelo qual sempre me escondo por detrás das cortinas e apenas observo de longe. Prefiro não dar palpites, nem mesmo quando o caso me diz respeito. Prefiro me manter calado e levar as marteladas, apunhaladas e marcar o choro pro quarto numa noite de sexta-feira. Reservo-me no direito de permanecer calado. Parece frase de autoridade, mas é somente a única regra que de fato resolvi seguir em minha vida. 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012



Dia 10.
Felicidade

Eu sempre acabei me fechando para coisas que não deveria. Bati a porta na fuça de quem não merece e fiz cara feia pra quem não tinha culpa de nada. Uma vez desliguei o telefone na cara do rapaz da pizzaria, como se a culpa do meu leite ter derramado no fogão fosse dele. Noutra, culpei a vendedora da loja por não conseguir escolher uma camisa adequada pra festa de aniversário da sexta à noite. De vez em quando eu sou estúpido demais e quase nunca me dou conta disso em tempo de ir lá e me desculpar. A vida começou a me oferecer as coisas desde cedo, mas eu estive sempre ocupado demais. Tapei meus olhos com a tristeza que insisti em incorporar esse papel de moço abandonado e injustiçado. Uma reclamação atrás da outra, sempre culpando um desejo não atendido, um sonho não realizado ou expectativas frustradas. Acho que minha vida sempre se resumiu a isso e acho que a culpa é mais minha do que dela. No fim das contas, pareço criança mimada que não ganhou o brinquedo que queria no Natal. Nunca julguei isso exatamente como certo.
Sempre estive ignorando algo que me faz bem porque sofrer é mais poético. Sempre tive essa queda por poesia e literatura, a felicidade só me proporcionava belos versos quando eu tinha você do outro lado da cama me inspirando com seu sorriso. Depois que você se virou e foi embora, nada me fez tão feliz a ponto de sequer escrever uma frase bonitinha pra postar na internet. Você sabe, eu sou um pobre infeliz como um jegue amarrado. Era inteiramente deprimente, sozinho e trancado na minha própria solidão, até você vir abrindo a janela da minha cozinha e deixando a luz me invadir, enquanto você me invadia também. 
Depois que adulteci, percebi que a felicidade sempre esteve explícita aos meus olhos, mas nunca aceitei como era. Até os 7 anos, eu levantava mais cedo que todo mundo só pra sair pro quintal e ver o sol nascer. Era uma rotina. Quando falhava, parecia que meu dia estava incompleto. Nunca precisei de despertador, já era algo natural. Nunca precisei porque eu era feliz fazendo aquilo. Aos 11 anos, eu saía pra janela todos os dias às 12h54 pra ver uma menina passando. Ela ia pra escola ali do lado da minha casa, passava sozinha puxando sua mochila de rodinhas. Ninguém precisava me lembrar do horário, todos os dias eu estava lá esperando por ela. Ela nunca nem ao menos me deu um oi, mas eu não me importava. E me lembrava que passaria porque eu era feliz estando naquela janela. Com 15 anos, eu jogava basquete com meu avô no quintal da casa dele. Todo fim de tarde de quinta-feira eu ia pra lá e a gente se esbaldava num joguinho bem calmo, já que ele não era mais um menino como eu. Minha mãe nunca precisou me lembrar do meu compromisso, eu já sabia pra onde deveria ir. Quando seu médico o proibiu de se esforçar fisicamente, minha vida ficou um pouquinho mais vazia. Esvaziou porque eu era feliz jogando a bola de um lado pro outro, enquanto ele ria de sua própria falta de habilidade. Aos 23 anos eu ia à biblioteca na esquina da rua de minha faculdade toda semana procurar algo novo pra ler. Eu entrava em um mundo diferente e conhecia gente diferente e ia descobrindo coisas diferentes. Eu poderia ser um herói, um caçador, um viajante apenas folheando livros que eu descobria sozinho. Quando a biblioteca fechou por não conseguir mais manter os custos de manutenção, um pedaço do meu mundo se foi junto. Se foi porque eu era feliz sendo um personagem diferente por semana sem deixar de ser eu mesmo. Aos 25 anos eu conheci uma garota. Ela estava numa livraria no cento da cidade e tinha os olhos tão profundos e misteriosos que me chamavam a desvendá-la todos os dias. E eu buscava desvendá-los todos os dias. Com o tempo, essa garota tornou-se tão essencial que eu mal conseguia imaginar um dia inteiro sem ela. E ela foi se apropriando de minha vida e moldando meus gostos e pegando minhas manias e usando minhas camisas e sendo a pessoa mais incrível que um dia eu poderia ter pensado em conhecer. E a gente foi virando nós, até ela ir embora e se tornar um nó. E eu me vi chorando baixinho no meio da noite de sábado, depois de um dia inteiro de falsas risadas. Chorei porque eu era feliz a tendo do meu lado.
Foi então que eu percebi que a felicidade é algo que não depende unicamente das coisas que possuo ou das pessoas que passeiam por minha vida. Felicidade é o que eu sou usando as coisas que possuo e tendo as pessoas que tenho. Uma vez eu li que felicidade não é questão de ter, é questão de ser. Agora que entendo, concordo. Eu era feliz apreciando o nascer do sol, assim como era feliz vendo aqueles cabelos negros passando por minha janela todo dia. Eu era feliz jogando a bola pra dentro da cesta com meu avô, bem como era feliz te vendo recitar os poemas de Carlos Drummond de Andrade rindo e pulando na minha cama feito criança. E eu acho que era feliz porque, fazendo tais coisas, eu conseguia ser eu mesmo. Eu, o Frederico. Poucas coisas na vida nos proporcionam o encanto de sermos nós mesmos sem qualquer máscara ou disfarce. Hoje eu apenas duvido de tudo e não tenho certeza de nada. Sou um ser infeliz e amargurado. Não me orgulho, mas sou. Posso ter muitas coisas agora, mas não as reconheço como produto de felicidade. Se assim sou, a culpa é da incerteza que carrego tatuada em mim.