Dia 19.
Até que ponto vale a
pena ser você?
É engraçado como que com
o passar do tempo as coisas vão se mostrando como realmente são. As coisas e as
pessoas. Me pergunto até que ponto é bom ser bom, visto que as consequências
para quem busca fazer o certo sem machucar os outros são sempre as piores. Até
nos filmes e novelas que em seus finais que deveriam trazer uma lição de moral
mostrando que o bem sempre compensa, começam a mudar o roteiro.
Eu passei a vida me
fechando ao amor por medo de machucar alguém como meu pai machucou a minha mãe.
Ver minha mãe chorando no quarto me fez prometer a mim mesmo nunca magoar
mulher nenhuma na vida. Passei tanto tempo me escondendo atrás das árvores
porque sempre foi mais confortável apenas ver a menina bonita passar ao invés
de desejá-la boa tarde. Um cumprimento gera conversa, que gera amizade, que
gera sentimento, daqui a pouco estamos saindo, namorando, morando juntos...
Não. É melhor ficar à sombra observando-a se afastar e só sair do meu lugar
quando não houver mais riscos de envolvimento. Parece paranoia para um homem de
quase trinta anos, mas não é paranoia para um homem de quase trinta anos que
entregou seu coração uma única vez e o recebeu em partes.
Ao ver minha mãe
sofrendo pelos cantos, se escondendo pra parecer forte pra nós, eu me
perguntava qual a vantagem de ser homem se nem de sua própria mulher se
consegue cuidar. Mas no fim eu descobri que o problema não é ser homem, o
problema é ser completamente vazio de sentimentos e não se importar com quem se
importa com você. Até que ponto é bom caminhar como se estivesse pisando em ovos
para que a outra pessoa, a pessoa com quem você se importa, a sua pessoa, não
caia e se machuque? Até que ponto é bom medir as palavras para não ser mal
interpretado e magoar o outro? Até que ponto é bom mostrar-se interessado,
querer saber do dia, do trabalho, da faculdade, lembrar de datas, de dias, de
minutos que podem até passar despercebidos, mas que são importantes para quem
ama? Até que ponto é bom sacrificar seu coração para salvar o do outro? Eu não
sei dizer. Eu não sei nem se é bom.
O amor pode ser cruel
com a gente, nos fazendo repensar a vida inteira, desde criança, para tentar
encontrar o pecado mortal que cometeu para merecer uma dor tão invisível e
aguda. A gente para e não encontra porque na verdade nunca cometeu erro algum. “É
a vida”, eles dizem. É a vida que tá aí pra nos derrubar no chão e não oferecer
a mão para levantar. É para a vida que devemos oferecer a outra face e levar o
tanto de porrada que ela quiser dar, porque é a vida, ela tem direito. Não
adiantar cruzar os dedos, ajoelhar no milho, fazer promessa, consultar horóscopo nem rezar para todos os santos do
catecismo. Quando a vida quer que seja, é; mas se ela quiser que não seja,
sinto muito, já era. E se você teima em não deixar pra lá, vem a vida e te
castiga com um soco no estômago. Se ainda assim você quer lutar, ela te dá uma
rasteira pra te jogar longe de seu objetivo. A vida não aceita ser contrariada.
Chega um momento que as
lágrimas secam e o choro cessa. Mas até lá a força que, sabe-se lá de onde a
gente é obrigado a tirar, tem que existir. É duro, é doído. Ver a sua pessoa
com outra pessoa. Saber que, mesmo com todos os cuidados e esforços para que
desse certo, ela simplesmente preferiu algo mais simples do que a sua
complexidade. E dói lembrar que todo mundo sempre vai embora por não conseguir
lidar com a sua complexidade. Até que ponto é bom contrariar a si mesmo só pra
fazer a felicidade de outra pessoa? O amor não vale à pena se não houver sacrifício, mas os sacrifícios não valem à pena quando não
reconhecidos. Até que ponto é
bom ser diferente? Não ser só mais um cara de barba que tem pose de macho e
passa horas na academia pra impressionar as menininhas? Um cara que realmente
leu os livros que diz que leu, que viu os filmes que diz que assistiu, que
malha na biblioteca e que pode recitar sua poesia preferida de trás pra frente
só pra te ver sorrindo pra ele. Até que ponto é bom fingir que isso não te
machuca quando na verdade você só quer se enfiar em um buraco e chorar alto?
Até que ponto é bom bancar o homem forte que não sente dor ao ver a única
pessoa que amou de verdade saindo pela sua porta da frente sem nem vacilar em
olhar pra trás? Até que ponto é bom entregar-se ao amor?
Todo mundo sabe que é
mais fácil com uma pessoa mais fácil, e isso é compreensível. Não dá pra mudar
o que você é, se tornar um produto genérico para agradar e esquecer-se do você que só você conhecia. As pessoas
se afastam com medo dos monstros que escondemos dentro do armário e isso também
é compreensível. Mas, se quer saber de uma coisa, não importa quem vai embora
cansado de você e de seus modos, usando das dificuldades para ser covarde. Importa
é quem fica do seu lado apesar de qualquer coisa.